sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Viver acima das nossas possibilidades

Desde 2011 que se discute se a causa da crise em Portugal foi o facto de termos vivido acima das nossas possibilidades ou não, ou, se não foi a causa, se foi, pelo menos, um factor agravante. Muitas vozes, principalmente de esquerda, consideraram que é mentira dizer que se tinha vivido acima das possibilidades. Mas não só da esquerda: por exemplo, um vereador do PSD da Câmara de Abrantes, em 2011, reagindo a um discurso de Cavaco Silva, afirmava que "não se incluía nesse grupo [o grupo dos que viviam acima das suas possibilidades] , assim como grande parte dos portugueses que conheço e que nunca compraram nada sem ter o dinheiro para pagar a pronto". O coitado não compreendeu que ter dinheiro para pagar a pronto não significa que quem lhe paga esse dinheiro, seja o Estado ou uma qualquer instituição privada, não esteja a pagar acima das possibilidades próprias. Mais recentemente, Pedro Marques Lopes, que ainda não percebi bem se é de direita, do centro ou de alguma esquerda, considera que a afirmação de que "vivemos acima das nossas possibilidades" é uma "mentira". Será? Recorro, para procurar saber se estas reacções são justificadas, a um artigo mais recente, de 2015, em que André Azevedo Alves, perante as acusações que foram feitas à gestão do Governo de Pedro Passos Coelho, cita João César das Neves, que dizia que "a indiscutível redução do défice foi conseguida sobretudo à custa de medidas contingentes e temporárias, com poucas reformas na máquina" e que "a tão falada consolidação orçamental está ainda muito longe", reconhecendo André Azevedo Alves, no entanto, que "o executivo liderado por Pedro Passos Coelho foi ainda assim além do que teriam feito quaisquer das alternativas governativas no contexto partidário português. E que só isso evitou um colapso do Estado português que estava iminente em 2011". O gráfico que Azevedo Alves apresenta, reproduzido de Jorge Costa, é explícito:



Desde 1975, vivemos, sem margem para dúvida, acima das nossas possibilidades. Nas próprias palavras de Jorge Costa: "como se deixássemos aos nossos herdeiros dívidas sem qualquer contrapartida, por termos vivido, isto é, consumido sistematicamente acima dos nossos rendimentos e do valor dos nossos bens de capital, sendo esses herdeiros forçados a pagar essas dívidas com os seus rendimentos - rendimentos do trabalho, visto que, se lhes transmitimos algum capital, esse capital é negativo".


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