quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O Manuelinho

Já aqui referi a nossa Restauração em 1640 a propósito da eventual importância que a revolta na Catalunha possa ter tido no desfecho positivo da nossa conspiração. Nessa altura não se falava em procurar mediação nem se dava qualquer importância ao facto de a nossa acção ter sido com toda a evidência ilegal. Só não foi inconstitucional porque não havia então qualquer constituição em vigor. Claro que os revoltosos alegaram que as leis em que os Espanhóis se baseavam para manter o domínio não eram válidas. Outra diferença fundamental entre as revoltas independentistas de então e de agora está na gravidade do castigo dos infractores quando derrotados ou apanhados em poder da parte contrária.

A este propósito convém recordar as perturbações que antecederam a revolta vitoriosa, que tiveram início em 1637 e que se vieram a desenvolver em volta de uma personagem misteriosa cuja própria existência continua hoje a ser duvidosa: o Manuelinho. Escreveu José Hermano Saraiva na sua "História concisa de Portugal":
"De todos os episódios da revolta de 1637 nenhum ficou mais célebre do que o da intervenção do Manuelinho. O assunto é ainda hoje um enigma, mas já o era em 1637. Um castelhano que exercia funções policiais na corte de Lisboa enviou para Madrid as primeiras notícias da revolta, poucos dias depois do seu início: «Na cidade de Évora, os meninos queimaram a casa do corregedor e a do escrivão e lhes tomaram os papéis. ... No Porto fizeram o mesmo e... em Vila Viçosa, onde apedrejaram o duque de Bragança, que está encerrado em casa. Desses rapazes é capitão um de dezasseis anos e, ao que parece, ninguém o conhece. Veste fato esfarrapado, um mau capote pardo e uma manta. Nunca o viram rir. Chama-se o 'Manuelinho'. Ele é que apareceu em todos os lugares por capitão e pôs no pelorinho de Évora o escrito que com esta vai e foi copiado à letra. Seguem-no os rapazes e mais que rapazes, de noite e de dia....»
O escrito que foi exposto no pelorinho, e que acompanhava a carta, é uma proclamação de revolta redigida em termos muito cultos, que denunciavam autoria eclesiástica, provavelmente jesuítica.
...
Quando já extinguido a labareda do primeiro entusiasmo, duas colunas militares espanholas entraram no Alentejo e no Algarve  e os cabecilhas foram enforcados."

A esta citação, embora longa, convém juntar a leitura de restante descrição da obra de José Hermano Saraiva.

Por aqui se vê que as consequências para os envolvidos na revolta de um e de outro lado eram muito mais graves do que a violência policial actual, com os seus feridos e excessos. Não se prevêem enforcamentos, mas o envio de colunas militares ou pelo menos de mais forças policiais e a eventual prisão de responsáveis locais não está posta de parte na Catalunha.

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