sábado, 10 de junho de 2017

Manhas

É a primeira vez que ouço um governante, para mais o próprio Primeiro Ministro, acusar uma empresa de ter manhas. A frase completa foi: "Tenho conhecimento de como certos operadores, designadamente a EDP, têm várias manhas para conseguirem contornar muitas vezes, com a indevida cobertura das entidades reguladores, aquilo que é garantido". Além de não me parecer a linguagem mais apropriada para um PM se referir a uma empresa privada, é preciso ver de que factos António Costa acusa a EDP. É de "contornar" "aquilo que é garantido". Claro que esta acusação vem na sequência de referências às "rendas excessivas" de que a EDP estará a beneficiar. A comunicação social liga esta questão à investigação de que a operadora eléctrica é alvo. Quanto a mim, esta associação não é linear. Uma coisa é aproveitar legalmente contratos negociados e firmados para obter vantagens; outra muito diferente é cometar crimes, como o crime de corrupção. Ambas as coisas necessitam de ser investigadas, mas sob ângulos muito diferentes. Contornar o que é garantido não define nada de concreto. Se gestores da EDP praticaram os crimes de que são suspeitos, é justo que se sujeitem à respectiva punição. Se com esses crimes obtiveram, esses gestores ou a empresa de que são responsáveis, vantagens ilícitas, pecuniárias ou outras, a justiça tem de ser reposta. Mas a presunção de inocência ainda é a regra e, até serem condenados, têm de ser considerados presumivelmente inocentes. Mas se, apesar de não haver ainda sequer acusação formada, se puder afirmar, como resultado de investigações, auditorias ou outros meios, que os contratos que permitiram à EDP encaixar as tais rendas excessivas são legais mas injustos ou mal negociados, resta ao Estado procurar reverter as circunstâncias. No caso de contratos legalmente válidos, ou há renegociação aceite por ambas as partes, ou terão de ser cumpridos, mesmo que injustos, até ao seu termo. E o facto de António Mexia ser remunerado no seu cargo de modo a criar inveja generalizada só tem de ser apreciado pelos accionistas da empresa e não deve influir no julgamento nem da questão jurídica dos eventuais crimes de corrupção nem da validade ou justiça dos contratos.

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