domingo, 14 de maio de 2017

Vitória da melodia e da simplicidade

Em tempos eu via com algum prazer o Festival da Canção, quer a versão portuguesa e principalmente a internacional da Eurovisão. Gostava de algumas canções, não gostava de outras, torcia por Portugal às vezes e não dava o tempo gasto por mal empregue. Mas com o tempo fui-me fartando e deixei de ver. As canções tornaram-se todas parecidas e difíceis de seguir e de apreciar. A música foi remetida para um plano secundário, sobressaindo os efeitos de luzes, por vezes pirotécnicos, as coreografias e os cenários. Mesmo no plano musical, a evolução da música ligeira, com as influências pop e rock, deram preponderância ao ritmo em detrimento da melodia, que se tornou imperceptível, e mesmo da harmonia. Deixou de me interessar. Mas foi inevitável ver na TV notícias e comentários sobre os festivais e ouvir alguns trechos, geralmente trechos tão curtos que não dava para fundar uma opinião positiva ou negativa.

Este ano não seria excepção, não fossem circunstâncias extraordinárias. Há semanas, não sei bem quanto tempo, vi uma curta notícia sobre o nosso Festival da Canção e sobre um cantor desconhecido cuja participação prometia possibilidades de êxito. Era o Salvador Sobral, mas não fixei o nome. Ouvi um curtíssimo trecho da canção com a voz do jornalista a abafar a música. A minha impressão foi negativa e a figura do cantor, com o cabelo comprido e em desalinho e um carrapito no alto da cabeça, foi-me antipática. Quando soube que ele tinha ganho o concurso português pensei que era mais um que teria poucas possibilidades de ficar em lugar decente na Eurovisão. Confesso que fui influenciado por preconceitos e ligeireza de apreciação. Há dias soube que a canção portuguesa, com o Salvador, tinha sido apurada para a final. Ontem segui a fase final do Festival e assisti a quase toda a fase de votação. E ouvi a canção "Amar pelos dois". E gostei. Apreciei a singeleza, a melodia cantabile, a harmonia, a ausência de artefactos, a simplicidade da apresentação. E concordo com o Salvador em que esta canção pode contribuir para ressuscitar o gosto pelas canções simples e melodiosas, que valem por si e não pelos efeitos espectaculares com que são apresentadas.Talvez o público esteja a ficar cansado do estilo festivaleiro e a canção de Luísa Sobral contribua para trazer de volta o gosto pela melodia. Esperemos que sim.

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