segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A montanha pariu um rato

A questão das transferências para offshores tem enchido páginas e páginas de jornais e horas e horas de antena. E ainda vai dar muito que falar. Mas, depois de muito espremida a informação disponível, a conclusão óbvia é a de que terá havido um erro de percepção mútuo: O então Secretário de Estado, Paulo Núncio, despachou com um "visto" o documento em que o então director-geral Azevedo Pereira propunha a publicação nas estatísticas da AT da súmula das transferências efectuadas a partir de 2011. Azevedo Pereira interpretou este despacho como uma negação de autorização de publicar. Mais recentemente, Paulo Núncio considerou esta interpretação como legítima (apesar de antes ter lembrado que a obrigação de publicação tinha sido determinada pelo seu antecessor e nada tinha sido feito que contrariasse esta obrigação). Paulo Núncio assumiu a responsabilidade política pela não publicação destas transferências nas estatísticas. Acontece que Azevedo Pereira assegurou também que o tratamento destas operações tinha sido normalmente realizado e que só faltou a publicação. Ora a falta de publicação referida não impede que a AT tenha tido o conhecimento em pormenor dos factos, incluindo quem foram os ordenantes (sujeitos passivos) e os destinatários, assim como os valores transferidos e a razão alegada para as transferências. Estes pormenores não aparecem nas estatísticas, que apresentam apenas os totais por ano (em separado para pessoas em nome individual e pessoas colectivas) e apenas discriminam os offshores ou territórios com tributação de destino, como se verifica no quadro seguinte relativo a 2015 tal como publicado na página da AT..





Parece evidente que a publicação ou a falta dela carece de importância e em nada prejudica o fisco e o País. Todo o barulho e a alegação de gravidade do assunto parecem completamente infundados.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Dez mil milhões

A comunicação social tem-se portado muito mal na história dos 10 000 milhões de euros que terão sido transferidos para paraísos fiscais sem que a Autoridade Tributária não tenha alegadamente verificado a sua situação fiscal, como lhe competeria. Parece que, além disso, as 20 transferências que correspondem àquele total foram comunicadas à AT pelos bancos ou entidades financeiras que fizeram as transferências, mas não foram publicados os respectivos dados estatísticos, como é de lei. Desde o início tudo tem sido muito mal explicado. Jornais e canais de televisão competiram entre si para conseguir o título mais sonante e mais comprometedor. As transferências passaram a ser designadas por "fugas" e afirmava-se que "Fisco deixou sair 10000 milhões para off-shores". "Deixou sair"? O fisco não tem autoridade para deixar ou não deixar sair, existe liberdade de movimento de capitais, terá, sim, de vigiar e apurar se é dinheiro legal e se eventuais impostos relacionados com as verbas transferidas foram liquidados. Outro jornal foi mais longe; acusou: "Fisco deixou escapar quase €10 mil milhões para paraísos fiscais em quatro anos". A expressão "deixou escapar" é, evidentemente, abusiva e enganadora. Até na Assembleia da República se ouviu, por exemplo a deputada Catarina Martins, falar em "fuga de milhões".

A esquerda delirou com o caso, pois, seja a culpa da "fuga" da "direita" ou do PS, para a esquerda radical é um escândalo que mostra que os partidos do antigo arco da governação, que já não existe, mas cujo regresso não é desejado, são todos gatunos.

Os blogs, induzidos em erro, afinaram no mesmo tom. Um afirma: "10 mil milhões de euros fugiram aos impostos para off-shores". Ora nem sequer se sabe se havia impostos devidos.

Felizmente, hoje, a SIC-Notícias resolveu chamar o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro, que afirmou claramente que "É abusivo falar de fuga ao fisco" e explicou pormenorizadamente a situação. Depois de tanto disparate, é reconfortante haver quem reponha as coisas no devido lugar. Pode ser grave que a AT não tenha feito a necessária fiscalização destes movimentos, se é verdade que não a fez. Pode ser grave que os respectivos dados estatísticos não tenham sido publicados, se é que realmente não o foram (publicados onde? Ainda ninguém explicou). Mas transformar isto num prejuízo de 10000 milhões para o fisco e para o País, ou simplesmente insinuá-lo, é enganar as pessoas.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O que é grave não é ter mentido

Não se pode ligar a TV, abrir um jornal, ler um blog, sem dar com notícias, comentários, graçolas, afirmações e interpretações sobre se Centeno mentiu ou não mentiu, se tinha ou não prometido a Domingues que este e os restantes administradores da CGD ficariam livres da obrigação de entregarem no TC declarações de rendimentos e de património para poderem ocupar os seus lugares na administração do banco público e se falou verdade perante os deputados. A chave do problema parece estar nos célebres SMS's que toda a gente já conhece excepto eu. Portanto não tenho provas de que o Ministro das Finanças tenha mentido no Parlamento, mas o grave não está na eventual mentira.

Quando um  membro de um Governo acede, em negociações para nomeação para um cargo da importância como o de administrador da CGD, a mudar uma lei, para reduzir as exigências legais que estão legalmente previstas para o cargo, a pedido e para satisfazer exigências de um candidato, parece-me que a gravidade é suficiente para que que seja demitido. Quando um detentor de um alto cargo se encarrega de negociações tão importantes como estas e permite que o candidato indique um escritório de advogados para auxiliar a determinar que modificações devem ser feitas à lei para que se adapte ao que este pretende, e ainda por cima permite que a remuneração desta equipa corra a cargo dos contribuintes, parece-me que não tem condições para continuar no cargo. Mas principalmente quando um alto funcionário deixa que se dê um "erro de percepção mútuo" no que se refere às condições acordadas em longas e importantes negociações para um cargo desta responsabilidade, é forçoso que seja afastado do cargo. E ainda, quando um homem que ocupa um cargo da importância da chefia de um ministério chega, pela sua conduta desajeitada, a ser alvo da chacota generalizada de todo um País, deve tomar a iniciativa de resignar.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Afinal o optimismo irritante é contagioso

O nosso comentador oficial do Palácio de Belém criticou em tempos o optimismo irritante do Primeiro Ministro. Mas o actual Presidente da República foi contagiado por essa doença. Só assim se explica que, voltando a vestir a pele de comentador, desta vez económico, tenha revelado um grande contentamento pela desgraça de a taxa de juro implícita na nossa emissão de dívida a 7 anos de hoje ter quase duplicado em relação à de Junho último. Uma taxa a 10 anos de 3,67% seria dificilmente suportável, embora não tão má como a taxa a 10 anos no mercado secundário de hoje, que, ainda que aliviando, ficou nos 4,115%. Mas esses mesmos 3,67% a 7 anos são uma indicação de que o financiamento da nossa economia está cada vez mais difícil. Mas para Marcelo Rebelo de Sousa são um bom resultado e mostram que a política económica do Governo está correcta, pois foi como resultado desta emissão que a taxa a 10 anos hoje aliviou! Mais do que uma colagem ao Governo, o PR revela um desejo de acalmar o povo e de deixar que António Costa continue a levar o País para o abismo.

Notícias que não interessam

A nossa comunicação social é muito selectiva. Há notícias que não interessam. E não se trata do conceito de que o cão que mordeu o homem não é notícia; só vale a pena informar sobre as coisas pouco naturais, como o caso do homem que mordeu o cão. Não! A selectividade da nossa comunicação social não é deste tipo. É do tipo de informar só o que interessa que se saiba. Há um enviezamento direccional. Quando o que interessa é fazer crer que tudo vai bem, que quem está ao leme conduz bem o barco, as notícias que podem perturbar o optimismo não devem ser dadas. Pelo contrário, se o que se quer é fazer crer que tudo vai mal, aí, quanto mais se perturbar, melhor.

Só pelas considerações anteriores se pode compreender que a notícia de que a agência de notação financeira canadiana DBRS baixou a notação da Itália de A para BBB não tenha merecido ser divulgada pela nossa imprensa nem pela nossa TV, ou, se alguém a divulgou, foi de tal modo discretamente que não dei por isso nem ninguém das minhas relações habituais. Afinal a DBRS pode baixar notações! Pode-nos estragar o equilíbrio precário em que vivemos com o BCE a cuidar da nossa dívida. Mas isso pode assustar. É melhor calar.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Há quem goste de lixo...

Quando o PM considerou uma boa notícia que a agência Fitch tivesse mantido a notação financeira de Portugal no grau de lixo com perspectiva estável não me admirei. Quem o conhece já sabe que gosta tanto de lixo que está a fazer o possível para conservar o lixo nacional em bom estado. Para tal até negociou o apoio de partidos que têm políticas absolutamente contrárias às que o próprio partido do PM tinha até agora seguido. Portanto, se Portugal continua no lixo, é natural que António Costa fique feliz. Já me espantou que o Presidente da República tenha também considerado uma boa notícia continuarmos no lixo e não termos perspectivas para de lá sair. Por muito que a actuação e as declarações públicas de Marcelo Rebelo de Sousa me tenham sistematicamente desagradado, e cada vez mais, não esperava que ficasse contente com o lixo do País.

Se eu tivesse a minha casa cheia de lixo e me dissessem que esta situação de lixarada ainda continuava e era para ficar no futuro, nem me passa pela cabeça que ficasse resignado, muito menos feliz. Mas infelizmente há quem se sinta feliz no meio do lixo e não aspire a melhor situação.