sábado, 7 de janeiro de 2017

Satisfação infundada

Recentemente, dois documentos de entidades internacionais de prestígio foram apontados como citando dados económicos positivos em Portugal, elogiando as medidas do Governo de António Costa e admitindo que uma união com o comunismo e a esquerda radical pode funcionar. As notícias citaram amplamente trechos destes documentos e a satisfação do Governo e em particular do PM com este reconhecimento, como prova de que o País vai por bom caminho. Estes documentos foram o relatório da missão do FMI de Novembro-Dezembro de 2016 e, mais recentemente, um artigo do Financial Times. Estão ambos disponíveis na internet e a sua consulta mostra que, embora contenham alguns elogios e reconhecimento de resultados positivos, são, por outro lado, muito críticos e dão sobretudo relevo aos factores negativos e aos perigos que a situação económica portuguesa enfrenta.

Vejamos:
O relatório do FMI, reconhece que a perspectiva de curto-prazo melhorou no final de 2016 principalmente por uma aceleração das exportações e pelo crescimento, superior ao esperado, verificado no terceiro trimestre, mas salienta, ao mesmo tempo, que este crescimento se seguiu a dois trimestres de actividade reduzida e que será necessário uma continuação de forte crescimento para assegurar uma recuperação mais rápida. Embora o FMI considerasse que o objectivo orçamental de 2016 seria alcançável, reconhecia que as perspectivas são vulneráveis a choques devido à elevada dívida pública e privada e à fraqueza do sector financeiro, necessitando de esforços ambiciosos para conseguir uma consolidação orçamental durável e elevar o potencial de crescimento económico. Enquanto se esteja a verificar uma redução no desemprego, persiste uma rigidez estrutural que limita o crescimento a cerca de 1,2% a médio termo. Mesmo tendo em consideração o orçamento aprovado para 2017, a dívida pública manter-se-á elevada e para conseguir atingir o objectivo definido para o défice será necessário um esforço estrutural adicional de 0,4% do PIB. Um esforço de consolidação baseado em reformas estruturais da despesa será mais favorável do que confiar na compressão do investimento público. Em particular, a flexibilização do mercado laboral com os aumentos de salário alinhados com a produtividade favorecerá a economia e permitirá uma maior resiliência e uma convergência mais rápida com a união monetária.

Por suas vez, o artigo do Financial Times, reconhece que o PM "anti-austeridade" ultrapassou com êxito as expectativas, mas as preocupações mantêm-se. Apesar dos bons resultados que o PS continua a obter em sondagens, os credores internacionais, os mercados financeiros e as agências de notação estão cépticos, temendo que o modesto crescimento económico de Portugal seja incapaz de suster a excessiva dívida pública superior a 130% do PIB. As preocupações sobre a fragilidade do sector bancário também influem no aumento dos custos de financiamento. Os críticos argumentam que a dívida, o reduzido crescimento e a fraqueza dos bancos tornam o País altamente vulnerável. Um economista de Lisboa diz que qualquer choque - os bancos italianos, as eleições francesas - pode precipitar uma crise. Holger Schmieding, economista chefe de Berenberg, avisa que a política de aumento de consumo privado pela reversão rápida dos ´cortes nos salários públicos, do horário de trabalho, dos feriados e das pensões são exactamente o modo errado de atrair investimento, para conseguir uma aproximação ao crescimento do PIB, como faz a Espanha, por exemplo. O PM consegue cumprir as metas orçamentais por congelamento do consumo público em áreas como a saúde e reduzindo drasticamente o investimento público.

Da leitura dos documentos na sua integralidade verifica-se que, a par de elogios e reconhecimento de aspectos positivos, há o reconhecimento de estratégias erradas e da existência de perigos muito consideráveis. Ambos os documentos contêm indicações sobre o que há a fazer para evitar os perigos, indicações que vão exactamente no sentido oposto das políticas que estão a ser seguidas.

(A parte dos textos em negrito corresponde ao que a comunicação social em geral não referiu ou pelo menos não salientou, o que deu um aspecto mais favorável aos documentos no seu conjunto.)

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