terça-feira, 29 de março de 2016

O comentador

Igual a si próprio, Marcelo Rebelo de Sousa dedicou 11 minutos a comentar o Orçamento de Estado. Também igual a si próprio, referiu as circunstâncias em que foi elaborado, a estratégia seguida, os aspectos positivos, os aspectos negativos e o que se pode seguir em consequência. É compreensível que o Presidente da República não devia dar a sua opinião sobre se considerava o Orçamento bom ou mau. Agiu pois correctamente em tecer as considerações que teceu sem dar uma valorização política própria, positiva ou negativa, ao contrário do que faria se fosse um comentador político. O que me surpreendeu é que, quando era comentador político, também dava sempre uma no cravo, outra na ferradura, sem exprimir valorizações pessoais. Referia-se à estratégia e não à bondade ou aos valores dos factos que comentava. Se acho bem esta conduta como PR, sempre a contestei como comentador e é com certa ironia que vejo continuar a si próprio no novo papel que agora representa.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Falta de vergonha

Em Portugal, quando um político no activo é acusado ou mesmo apenas suspeito de um crime, é costume pedir a demissão do cargo, mesmo que se julgue ou se afirme inocente. Já houve vários casos, alguns mais prontamente outros mais relutantemente. É uma regra nos países democráticos. Fazem-no para não embaraçar o governo que servem e o partido a que pertencem.

No Brasil é o contrário. Um ex-político suspeito de crimes graves, embora ainda não acusado judicialmente, mas já com ameaça de prisão, é convidado para ministro e toma posse em menos de 24 horas. Oficialmente, é porque faz muita falta no Governo, mas toda a gente sabe, de tão óbvio, que é para garantir impunidade. Que vergonha, ou antes, que falta de vergonha.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Marcelo

Depois do cansativo dia de tomada de posse do novo Presidente da República, a festa continuou, foi o Porto, foi o Palácio de Belém aberto. Não há dúvida de que foi um início de mandato fora do comum. Nada contra. Agora, quando Marcelo Rebelo de Sousa afirma que "É o momento de avançar para uma nova fase da vida portuguesa", tenho sérias dúvidas de que tenha razão. É evidente que o novo PR, ao recomendar aos portugueses que não percam a auto-estima, demonstra que ele próprio tem uma enorme auto-estima. Isso é bom, mas ao pensar que é capaz de inaugurar uma nova fase da vida portuguesa está nitidamente a exagerar. Espero que Marcelo seja um bom PR, mas não acredito que tenha a força, a habilidade e a influência na vida do País que possa dar origem a uma verdadeira nova fase.

domingo, 13 de março de 2016

Grande partido

João Soares, actual Ministro da Cultura, afirma que o PCP é um grande partido do povo (ouvido em primeiro lugar na TV). Esta afirmação merece duas objecções importantes: 1) A partir de que dimensão considera João Soares que um partido é grande? Com 8,25% dos votos dos portugueses e apenas 17 deputados, em 4.º lugar, atrás do Bloco, o PCP não será um partido pequeno, mas também não pode ser considerado um grande partido. Já foi maior, mas reduzido como está, nem nas votações nem nas sondagens (7,8% na última conhecida de Eurosondagem) tem a grandeza que JS lhe quer atribuir. Mesmo reduzindo a grandeza, como JS depois esclarece, à "imensa sensibilidade para as questões da Cultura", é uma afirmação pouco exacta, já que a cultura pela qual o PCP revela sensibilidade tem um âmbito bastante limitado, reduzido ao que é útil do ponto de vista social. 2) O povo português votou maioritariamente na coligação em que o PSD era maioritário. Porque não será então o PSD o grande partido do povo? A coligação PàF, o PSD e o PS obtiveram em conjunto mais de 70% dos votos do povo. O PCP teve pouco mais do que 10% desse valor. Ou será que para JS só é povo quem vota à esquerda?

quarta-feira, 9 de março de 2016

Quanto ganhava a mulher de César - aditamento

No meu último artigo, parecia que o título não tinha nada que ver com o texto. Tudo porque me esqueci do esquema em que tinha pensado. Concluindo:

Sobre o tema do novo emprego de Maria Luís Albuquerque, houve quem viesse com a célebre frase de Júlio César: "À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta". Talvez no tempo de César a frase se justificasse, mas utilizá-la actualmente na discussão sobre o direito que alguém tem de aceitar um cargo não me parece apropriado. Não se aplica sobretudo no caso da ex-ministra das Finanças. Sendo reconhecido que a aceitação do novo emprego é legal, pode discutir-se, como eu disse, se é ético. Mas havendo no Parlamento uma Comissão de Ética, é lá que se deve discutir o assunto. Não interessa o que parece; tem de se avaliar o que é. A não ser que se concorde com a frase atribuída a Salazar segundo a qual "em política, o que parece é!" Mas finalmente, o que não tem nada que ver com a legalidade, a moralidade e até a conveniência ou não de Maria Luís aceitar o lugar é o salário que irá ganhar, valor que tem sido badalado, aparentemente com o intuito de chocar o cidadão, principalmente o cidadão que ganha pouco. Voltando à mulher de César: Para avaliar a sua honestidade, não interessa se ganhava muito ou pouco, mas sim a sua culpa ou não perante a acusação que sobre ela foi lançada.

terça-feira, 8 de março de 2016

Quanto ganhava a mulher de César?

Nunca o emprego de um ex-ministro ou de um deputado levantou tanta celeuma. Agora discute-se até à agonia o novo emprego de Maria Luís Albuquerque. Não há cão nem gato, nem comentador ou politólogo, nem blog nem órgão de comunicação que não dê amplo espaço à polémica. É o assunto do dia. Muito do que se tem escrito ou dito não merece sequer atenção. Mas há opiniões inteligentes. Destaco as intervenções de Ricardo Arroja n'O Insurgente, de João Miranda e de Vítor Cunha no Blasfémias e de José António Abreu no Delito de Opinião. Como é habitual, estas intervenções traduzem posições diferentes, em certos aspectos mesmo opostas, mas todas são equilibradas e merecem respeito, ao contrário de algumas outras que li ou ouvi por aí. Parece haver unanimidade em reconhecer que, ao aceitar o novo emprego, a ex-ministra e actual deputada não cometeu qualquer ilegalidade. Já as opiniões diferem se o acto foi ou não ético. Tenho alguma dificuldade em afirmar qualquer coisa neste capítulo; a ética está muito longe de ser uma ciência exacta e além disso faltam-me dados para ter uma opinião firme. Mas posso resumir o que penso na seguinte frase de José António Abreu: "Afinal, em que poderá trabalhar um ex-ministro das Finanças se lhe for vedado o acesso ao sector financeiro? Que cargo poderá aceitar um ex-ministro da Economia se a gestão de empresas privadas (a ninguém parece incomodar que possa ir contratar swaps para uma entidade pública) lhe for interdita? (Pense-se em António Pires de Lima, por exemplo.) A que actividade poderá dedicar-se um ex-ministro da Justiça se os escritórios de advocacia (e há imensos negócios cinzentos em torno deles) constituírem terreno onde não possa entrar?" com a qual concordo plenamente. Mas onde a comunicação social falha, a meu ver de modo populista e demagógica, é ao insistir em explicar em pormenor quanto vai ganhar Maria Luís no novo emprego e quanto recebe ao todo somando o seu novo salário com o de deputada. Não que eu veja mal na divulgação em si, estes dados não são secretos e não devem ser tabu. Mas a sua divulgação repetida e em pormenor dá a entender que o principal problema não é nem ordem legal nem ética, mas sim de ordem económica, procurando sentimentos de inveja e mesmo de reprovação repulsa pelos rendimentos avultados. Não, não é aí que reside o problema. Se não é este o fim desta parte das notícias sobre o assunto, então é o miserabilismo militante que de vez em quando vem ao de cima.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Quando ou se

Em Bruxelas, Moscovici e Dijsselbloem discutiram, com ar bem disposto, sobre a questão se as medidas adicionais que pretendem impor ao Governo português são para ser aplicadas se forem necessárias ou quando forem necessárias. Dijsselbloem interrogou-se qual seria a diferença entre se e quando, ao que Moscovici retorquiu que, no caso em discussão, o se não se aplicava, só valia o quando, deixando entrever que quando deveria ser (confirmado aqui). Entretanto, António Costa continua afirmando que as medidas adicionais não serão sequer necessárias, admitindo que a execução do OE2016 apresenta riscos, mas adiantando que todos os orçamentos têm riscos. Claro que todos os orçamentos têm riscos, mas poucos orçamentos terão tido tantas críticas e provocado tantas dúvidas como este, já para não falar que poucos terão tido tantas erratas e tantas correcções como o nosso. Na próxima Quinta-feira, quando Moscovici e Junker se reunirem em Lisboa com Costa e Centeno, deve clarificar-se a questão do quando e do se.

domingo, 6 de março de 2016

Sobressaltos

O actual Primeiro-Ministro de Portugal, de sua graça António Costa, debitou, a propósito dos 100 dias do seu Governo, a seguinte declaração solene: "Portugal recuperou a normalidade e os portugueses deixaram de viver em sobressalto." Ao ouvir esta declaração tive um sobressalto. Costa considera normal chefiar, num país democrático, um Governo que sobrevive graças ao apoio dos comunistas do BE e do PCP, que deve a possibilidade da sua própria existência à celebração de acordos com esses partidos extremistas, acordos que omitem as principais questões que podem garantir a sobrevivência económica do País, mas que incluem obrigações que põem em perigo a sustentabilidade das nossas finanças. Costa acha normal apresentar em Bruxelas um esboço de orçamento que merece reparos e críticas, propor ao Parlamento um orçamento que, mesmo após erratas e emendas, tem erros, apresenta perigos e necessita de medidas suplementares. Costa não se dá conta dos sobressaltos que impôs aos portugueses, quase diários. Agora é que vivemos tempos de anormalidade e de sobressalto.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Ainda a Moody's e agora a Fitch

O entusiasmo que o executivo de Costa e o PS em geral evidenciaram com a nota da Moody's que considerava positiva a inversão de rumo que o OE2016 na versão proposta ao Parlamento significava em comparação com o esboço apresentado à UE deve ter dado agora lugar a grande tristeza pelas últimas declarações muito críticas da agência de notação. Torna-se agora evidente que o que a Moody's considerava positivo não era o OE, mas sim o facto de Portugal ter cedido à pressão da Comissão Europeia para rever a versão inicial. Estas críticas coincidiram com apreciações bastante negativas de instituições nacionais, como o CES e a CFP. Para mostrar como a satisfação do Governo foi precipitada, juntou-se agora às reacções negativas a Fitch, ao baixar a perspectiva da notação da dívida portuguesa. A execução orçamental mostrará se estas críticas têm razão de ser, a não ser que antes sejam tomadas novas medidas. A lenda de que se iria virar a página da austeridade era mesmo isso: uma lenda.