segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Rescaldo das legislativas

Há alturas em que um cómico diz verdades profundas (como acontecia já em tempos remotos com os bobos). Desta vez foi Ricardo Araújo Pereira que demonstrou que nas legislativas de ontem todos os partidos ganharam: A coligação ganhou porque ficou em primeiro lugar, o PS ganhou porque conseguiu tirar a maioria absoluta à coligação, o BE ganhou porque ultrapassou o PCP e o PCP ganhou porque ganha sempre... a sério: porque aumentou a representação parlamentar em 1 deputado e aumentou em número de votos e em percentagem. Depois, o mesmo humorista mostrou com a mesma clareza que todos tinham perdido e que, afinal, todos tinham empatado. Fora de brincadeiras, mantenho o que disse ontem sobre a vitória da coligação. Como afirma Miguel Esteves Cardoso no Público, "Ganhar é fácil de definir: é quem fica à frente. Quem ganhou as eleições de ontem foi a coligação que nos governa. Se tem ou não maioria absoluta (mais deputados do que todos os outros juntos) é secundário." Parece-me uma verdade evidente. É o critério que usamos diariamente na prática: Numa corrida, o vencedor é quem chega primeiro à meta. Não interessa quantos chegam depois, com que atraso cortam a meta nem quem são. Em concursos e eleições passa-se o mesmo: o vitorioso de vários candidatos é que tem mais votos, tenham os outros o que tiverem, mesmo que o número de votos dos outros candidatos somado ultrapasse o do vencedor. No caso dum parlamento ou de outras assembleias em que há decisões que são votadas por todos, isto não significa que quem ganha sem maioria absoluta tenha a mesma possibilidade de decidir livremente, mas lá por isso não podemos dizer que não ganhou.

Outra afirmação minha de ontem foi sobre o discurso de Passos Coelho. Disse que foi um grande discurso. Direi mesmo que foi notável. Não procurou disfarçar o facto de não ter atingido o objectivo de uma maioria absoluta, embora não lhe quisesse chamar assim. Pelo contrário, definiu a situação de forma exacta e tirou logo as consequências.

Por fim, afirmei que houve uma clarificação da posição do PS. António Costa teve o cuidado de afastar a possibilidade de inviabilizar um governo da coligação para poder formar um governo de esquerda apoiado na CDU e no BE. Mesmo que a liderança de António Costa venha a ser posta em causa, não vejo que o PS sob outra chefia possa tomar essa opção e ainda menos concretizá-la.

A minha sensação foi, portanto, de alívio. Como Passos afirmou, é indispensável uma negociação com o PS, não só para formar um governo viável, mas também de forma contínua para a aprovação das decisões de governação. Será difícil? Claro que sim. Haverá instabilidade? Possivelmente. Não será possível completar a legislatura, tendo o governo da coligação uma vida curta? Talvez. Mas um possível governo "de esquerda" do PS com apoio, qualquer que fosse a forma de concretizar esse apoio, do PCP e do BE será mais fácil, mais estável e mais durável? É altamente duvidoso.

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