sábado, 31 de outubro de 2015

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Haverá acordo? Será durável?

Na entrevista que Jerónimo de Sousa acaba de dar na SIC a Ana Lourenço, o Secretário-Geral do PCP não voltou a falar em "reuniões inconclusivas". Mas as suas respostas e o modo como fugiu a responder claramente a algumas questões, obrigando Ana Lourenço a alguma ginástica para lhe arrancar respostas minimamente informativas, leva-nos à conclusão de que mesmo que venha a ser celebrado um acordo PS-PCP (o acordo com o BE não parece oferecer problemas idênticos) será um arranjo que não assegura seriamente o apoio do PCP. Mais uma vez, Jerónimo afirmou que o PCP, por princípio e por respeito com o seu compromisso eleitoral, no Parlamento votará a favor do que for positivo para o povo e para os trabalhadores e votará contra tudo o que for negativo. A conclusão que se tira da sua atitude durante toda a entrevista é que o PCP faz questão de que o acordo respeite as suas exigências, nomeadamente a devolução aos funcionários públicos e aos pensionistas do que lhe foi "roubado". Se estas exigências fizerem perigar o respeito pelas metas do défice, o PS que encontre modo de lhe dar a volta, o PCP, que nem concorda com o Tratado Orçamental, não se compromete a desistir do que considera necessário ou a estudar o modo de compensar a despesa ou perda de receita extra. Este raciocínio foi claramente definido, embora não por estas palavras.

Haverá acordo?

O PS comprometeu-se a divulgar os termos do acordo com os partidos de esquerda quando da discussão da sua moção de rejeição do programa do Governo. Nas diversas declarações dos responsáveis do partido, nomeadamente de António Costa e de Carlos César, o acordo com o PCP é dado como certo, quase concluído, não sujeito a dúvidas, dependente apenas de finalização. Desde o início, as reuniões com o BE e com o PCP são descritas como decorrendo em bom clima e com alto grau de concordância, levando a crer que tudo aponta para uma conclusão de um acordo ou de dois acordos separados muito em breve. É com grande surpresa que ouvimos há pouco na TVI Jerónimo de Sousa dizer que as reuniões com o PS têm sido inconclusivas! Então as reuniões inconclusivas não eram para o PS apenas as que teve com "a direita"? As dúvidas que muitos já iam expressando sobre a possibilidade de um acordo que assegure o apoio do PCP a um governo do PS por toda a legislatura tinham portanto razão de ser. Se o PS conseguir concluir um acordo viável e que corresponda às necessidades de estabilidade até ao dia 10, data em que se prevê o fim da apreciação do programa do Governo na AR, será uma surpresa. Se esse eventual acordo não incluir cedências do PS às exigências do PCP que tornem impossível o cumprimento das metas exigidas pelos nossos compromissos internacionais, a surpresa será ainda maior.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Uma proposta singela

A palavra que tem sido mais usada pela comunicação social para descrever o momento político actual tem sido "impasse". Na verdade a situação está complicada, com um primeiro ministro indigitado que deve estar a tentar formar governo, sabendo que uma maioria no parlamento prometeu rejeitá-lo. Por outro lado, o partido que pode decidir esta rejeição está a tentar, conforme tem anunciado, conseguir em grande secretismo celebrar um acordo ou acordos com dois partidos de extrema esquerda, não se sabendo ainda se este acordo ou estes acordos, indispensáveis para que a rejeição seja efectiva e para que possa depois governar, são sequer possíveis. Se as diligências de Pedro Passos Coelho são completamente desconhecidas do público, os pormenores e o adiantamento das de António Costa também não são do conhecimento geral. É possível que tanto um como o outro estejam perante dificuldades nas suas missões. Hoje a comunicação social aponta aspectos prováveis da formação de um governo pela coligação PSD/CDS, mas estou convencido que são apenas especulações. Dos acordos de esquerda o que veio a público não é suficiente para se saber se a desejada (por eles) união das esquerdas é possível.

Perante este panorama, Passos Coelho poderia seguir uma via inesperada que até poderia evitar a rejeição do governo PSD/CDS e tornar assim inúteis as conversações do PS com o PCP e o BE. Esta via seria apresentar ao Presidente da República um elenco governativo em que ele próprio estivesse ausente,  cedendo o lugar de Primeiro Ministro a uma personalidade importante do PSD com experiência governativa e que não suscitasse a má vontade do PS que ele próprio suscita. Quem poderia ser essa personalidade? Já adivinharam? Pois quem proponho para chefiar um governo da coligação PàF aceitável (talvez) pela esquerda é nem mais nem menos do que Manuela Ferreira Leite. O resto do elenco governativo não teria logo qualquer importância. Esta via teria pelo menos o mérito de atrapalhar ainda mais as hostes socialistas.

sábado, 24 de outubro de 2015

O regresso do animal feroz

Que pretende Sócrates? Apenas defender-se ou tem outras ambições. Levou uma hora a defender-se, aliás alegando que todo o mal que a justiça lhe tem feito é ilegal e inconstitucional, o que deixa muito mal vistos os seus advogados que nunca o conseguiram defender dessas ilegalidades. Parece portanto que o colóquio que convocou tinha como finalidade apenas defender-se. Mas no fim abordou o momento político actual e salientou que está na posse plena dos seus direitos políticos e que não abdica deles. Que pretende, afinal?

Todos perguntam pelo papelinho

A esperteza de António Costa não foi suficiente para disfarçar o que já toda a gente notou e sobre a qual quase toda a gente já falou: o Secretário-Geral do PS pretendia ser indigitado e empossado como Primeiro-Ministro com base dum acordo que ainda não existe. Na notável entrevista que Judite Sousa fez à pouco a Jerónimo de Sousa, ficou bem patente que não faltam apenas questões de pormenor para passar a papel e assinar um acordo que assegure a estabilidade para a legislatura. Judite não deixou que Jerónimo fugisse à questão e este acabou por reafirmar o que já tinha dito, mas ninguém comentou: O PCP está de acordo em não votar qualquer moção de rejeição dum programa de governo que o PS proponha à AR e poderá viabilizar o orçamento para 2016, mas não abdica da possibilidade de votar contra qualquer iniciativa que venha a ser proposta pelo PS e que considere ser contra os interesses dos trabalhadores e do povo português segundo os seus critérios.

Além disso, mesmo que venha a ser concluído o tal acordo PS/PCP/BE, o que não é certo, se este ainda não estiver assinado no momento da votação das moções ou da moção do BE e do PCP para rejeição do programa do governo de Passos Coelho, António Costa não poderá votá-las sem ir frontalmente contra o que prometeu: não rejeitar um governo sem ter um governo alternativo para apresentar.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Esquerda? Não volver!

Até parece que Cavaco Silva é leitor do meu blog (um dos poucos) e concordou com a minha teoria de que a fractura política principal já não passa entre esquerda e direita, mas que "verifica-se que a grande fractura não se situa entre esquerda e direita, mas sim entre moderados e esquerdistas". Talvez os termos não tenham sido bem escolhidos, mas não encontrei outro modo para descrever por palavras simples os dois grupos em confronto: dum lado os que aceitam uma economia de mercado, a troca livre de bens e a propriedade privada dos meios de produção, do outro lado os que querem, uma economia planificada, a limitação da livre troca de bens e a apropriação colectiva dos meios de produção, ou pelo menos dos estratégicos, se necessário por meios violentos. Pode-se ser de esquerda e pertencer ao primeiro grupo, pode-se ser socialista e ser-se moderado, defendendo um Estado interveniente, mas não totalitário, a detenção pelo Estado de algumas empresas, sem limitar a iniciativa privada, a economia de mercado, com algumas medidas reguladoras. Pode-se ser de esquerda e defender um estado de direito, repudiando a apropriação violente de meios de produção. Aos que não se integram neste grupo chamei esquerdistas. Poderia, talvez com mais propriedade, tê-los designado por extremistas ou totalitaristas de esquerda. De qualquer modo, actualmente em Portugal parece que a grande fractura está, como defendi, entre o PS, por um lado, e o PCP e o BE, por outro. Segundo este critério, o PS encontra-se do ledo dos moderados, com o PSD e o CDS, embora sendo, sem dúvida, um partido de esquerda, ao contrário dos outros dois.

Voltando ao princípio, Cavaco Silva, no seu discurso de indigitação de Passos Coelho para Primeiro-Ministro, colocou a fractura exactamente no local onde eu defendi. E condenou, logicamente, soluções de governo com ligações sobre esta fractura, considerando-as inconsequentes.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Esquerda, volver! Marcar passo! (3)

O célebre acordo PS/PCP/BE, o tal que ainda não existe, pelo menos em forma acabada, aceite pelas partes e passada a escrito, continua a ser uma grande incógnita. O Presidente Cavaco Silva certamente não deverá indigitar António Costa para o cargo de Primeiro-Ministro sem ter em sua posse o texto do acordo e ter apreciado a sua segurança para permitir a estabilidade que tem exigido repetidamente. Mesmo depois de uma experiência de um governo da coligação PàF e da eventual rejeição deste pela AR, o Presidente deve assegurar-se da fiabilidade do acordo antes de tomar novos passos. Mais um argumento para a necessidade destas cautelas por parte do PR foi dado esta manhã pelo Secretário-Geral do PCP ao referir-se à solução governamental PS/PCP/BE como "uma solução duradoura, tanto ou mais duradoura quanto defenda os interesses nacionais". Para bom entendedor isto significa a contrario que se houver, da parte do PS, algum acto legislativo que, no entender do PCP, não defenda os interesses nacionais, a durabilidade da solução poderá estar em causa. Ora é sabido como a noção dos interesses nacionais dos comunistas difere da do Partido Socialista. Se a redacção final do acordo não contrariar a ideia deixada por Jerónimo de Sousa sem ambiguidade, é legítimo desconfiar da estabilidade do governo de esquerda que poderá resultar se Cavaco seguir a pretensão de António Costa.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Esquerda, volver! Marcar passo! (2)

A distância entre "julgar que estão criadas as condições" para ter um acordo que permita uma maioria (como disse António Costa depois de falar com o PR) e ter mesmo esse acordo firmado pode ser melhor avaliada tendo em atenção o que disse mais tarde Carlos César: "o acordo, a ser assinado, como espero... ". Portanto o acordo é apenas uma esperança, como era de suspeitar. Se António Costa pensa que pode pedir a indigitação directa ao Presidente da República com base numa esperança, é mais um dos erros profundos que comete desde ter derrubado António José Seguro. Também Pedro Nuno Santos, respondendo à pergunta do jornalista sobre se chegar ao acordo "é pacífico", disse pouco depois simplesmente: "Estamos a trabalhar sobre isso."

Acredito que é provável que o PS chegue a firmar o tal acordo com o PCP e o BE, mas querer fazer crer que o acordo já é uma realidade é desonesto. Pedir a indigitação com base nessa probabilidade ou nessa esperança é uma bravata.

Esquerda, volver! Marcar passo!

Não, ainda não é "Em frente, marche!" Parece inevitável a viragem histórica à esquerda, mas, apesar de declarações propositadamente enganosas, nada está definitivo. Daí o País estar virado para a esquerda, mas ainda a marcar passo, ou, como dizem os brasileiros, em "faz que anda, mas não anda". A acreditar nos jornalistas, António Costa conseguiu um acordo com os partidos à sua esquerda, BE e PCP (não vale a pena falar nos Verdes) e comunicou ao Presidente da República que iria votar favoravelmente qualquer moção de rejeição do Governo que Passos Coelho, se vier a ser indigitado, apresente na AR, porque já tem alternativa para um governo estável com maioria parlamentar. Ainda agora ouvi António Costa (jornalista) falar no acordo como coisa já conseguida e outros jornalistas têm ido pelo mesmo caminho. Ora o que António Costa (político) disse à saída da reunião com o PR foi que "julgava que estão criadas as condições para que o PS possa apresentar na AR um governo com apoio parlamentar maioritário". Uma coisa é julgar que as condições estão criadas, outra muito diferente é ter já um acordo fechado com as forças que têm de assegurar esse apoio. António Costa (o político, sempre que nada indicado em contrário) várias vezes repetiu esta afirmação com ligeiras variantes e nunca se referiu a um acordo já conseguido, assinado e fechado. Ao evitar propositadamente a palavra "acordo", já que não podia afirmar a sua existência, António Costa procurou enganar os portugueses com o seu "estão criadas as condições". Catarina Martins foi mais honesta ou mais ingénua e, apertada com perguntas pelos jornalistas à saída de Belém, admitiu que não há qualquer acordo aceite e escrito, mas acrescentou que, pelo lado do BE, todas as divergências com o PS foram aplanadas e o acto de passar o resultado das conversações para o papel será fácil e rápido. Veremos se será assim e veremos também se com o PCP as coisas serão também tão fáceis.

Ora o Presidente Cavaco Silva não é parvo e é evidente que não se deixou enganar. Sabe perfeitamente que não há ainda qualquer acordo firmado, apenas condições para que esse acordo seja proximamente celebrado. Por outro lado, o PR não quererá, certamente, ficar com a responsabilidade de ser ele a indigitar um PM que pretende dar parte do poder aos comunistas, pelo menos sem antes indigitar quem ganhou as eleições. Se António Costa resolveu dar-lhes este presente, para atingir o seu maior desejo de ser Primeiro-Ministro, deve ser ele a assumir a sua responsabilidade, renegando o passado do PS de resistência ao avanço do comunismo.

A designação de um governo dependente do apoio do PCP e do BE é legal, é legítima, não viola a constituição nem qualquer lei. A questão está nas políticas defendidas pelos partidos cujo apoio activo é indispensável e que porão certamente as suas condições. Apoio activo porque em todas as questões a que o PSD e o CDS se oponham, não basta a abstenção do PCP e do BE; é necessário o voto favorável de ambos. É muito duvidosa a estabilidade de um governo nestas condições.

Os comunistas defendem ideias que, nos países onde foram postas em prática, provocaram pobreza, servidão e infelicidade. Historicamente, as alianças com comunistas foram sempre dramáticas para os parceiros dessas alianças. As frentes populares não contribuíram para a paz nem para o bem-estar dos povos. Bem sei que do que se trata no nosso caso actual é apenas de um apoio parlamentar negociado, mas mesmo assim todo o cuidado é pouco. A pouca confiança que os portugueses conferem ao PCP corresponde aos fracos resultados eleitorais que tem conseguido.

domingo, 18 de outubro de 2015

Desonestidade

Lido n'O Insurgente:

«É intelectualmente desonesto fazer uma leitura dos resultados das eleições dizendo que “60% rejeitaram o programa de direita” mas não fazer a leitura que 70% rejeitaram o programa do PS e 80% rejeitaram os programas do BE e PCP.»

É mesmo assim.

Ainda tem sentido falar de esquerda e de direita?

Já defendi a ideia de que as noções de esquerda e direita em política deixaram de fazer sentido. Hoje já não penso assim, embora reconheça de que além de esquerda e direita há outras dimensões a ter em conta, por exemplo democracia ou ditadura. Deste modo, se quisermos classificar os partidos e outras entidades, como movimentos e associações, numa escala que vá de extrema direita a extrema esquerda, passando por direita moderada, centro-direita, centro, centro-esquerda e esquerda moderada, teremos sérias dificuldades principalmente em tentar definir o que representa a moderação. Parece mais correcto adoptar não uma escala que corresponda geometricamente a um segmento de recta, mas sim a um conjunto de dois eixos, um correspondente à dualidade esquerda-direita conforme a organização económica se afaste ou se aproxime duma economia de mercado, sendo o outro eixo correspondente ao grau de liberdade, desde o liberalismo extremo até ao dirigismo completo, ou, melhor, ao grau de democracia, desde a democracia representativa por voto universal até à ditadura feroz. Os diferentes partidos e outras estruturas políticas poderão ser colocados no plano definido por estes dois eixos. Será um exercício interessante aplicar esse sistema à actual situação política portuguesa classificando os partidos nessa plano.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Esquerda, volver! Até onde?

A fractura principal que se verifica na política portuguesa não se encontra entre a esquerda e a direita, mas está situada entre o conjunto de partidos e movimentos que aceitam os princípios democráticos da economia de mercado, da defesa da propriedade privada e das regras da democracia representativa e os que recusam estes princípios, segundo defendi anteriormente. Mas aparentemente até há por vezes fracturas no interior dos partidos ou de movimentos, como parece acontecer actualmente no PS, em que uma ala esquerda se sente tentada a aceitar acordos com o PCP e com o BE ao mesmo tempo que outras sensibilidades no interior do partido os recusam, seja por convicção em princípios, seja por simples estratégia. Essa fractura é evidente e tem sido ultimamente objecto de discórdia, agora que o secretário geral do PS hesita entre procurar apoio à esquerda ou suportar o centro-direita. Segundo o meu ponto de vista, a hipótese de o PS procurar chefiar um governo de esquerda combinando um qualquer tipo de apoios com o PCP e com o BE tem o problema de se basear na disponibilidade destes partidos para se aliarem ao PS para todas as decisões que contarem com o voto contra da coligação PSD/CDS, e essa aliança terá de tomar a forma de foto a favor de ambas as forças de extrema esquerda, não bastando a abstenção. Ora o PCP já fez saber que, após viabilizar um programa de governo do PS, só votará as matérias com que concordar. Conhecendo o programa e as ideias do PCP, é evidente que as matérias que podem ser defendidas simultaneamente pelo PCP e pelo PS são muito poucas. Quanto ao BE começou logo por indicar alguns pontos que quer ver incluídos no programa dum governo do PS para lhe dar apoio. É a fractura a funcionar, o que levará a curto prazo à impossibilidade de tomar decisões. Um tal governo terá necessariamente vida curta e corresponde a um desaire do PS que influenciará o futuro do partido.

domingo, 11 de outubro de 2015

Esquerda, volver! Mas que esquerda?

A fractura entre esquerda e direita ainda tem sentido? Claro que tem, embora nem sempre seja fácil classificar os partidos dentro desta dualidade. Esta classificação está aliás sujeita a uma considerável subjectividade, ela própria influenciada pela situação, mais à esquerda ou mais à direita do classificador. Veja-se, por exemplo, que as pessoas que simpatizam com a coligação PSD/CDS costumam considerá-la de centro-direita, enquanto que dos socialistas para a esquerda todos a classificam como direita. Mas apesar de se reconhecer que há partidos mais à direita e outros mais à esquerda, nem sempre a fractura passa pelo centro, porque há outras dimensões. No actual espectro português, se se examinarem com cuidado os programas eleitorais e o posicionamento de cada entidade com base não só nos programas mais ainda nas declarações e actos dos respectivos actores, verifica-se que a grande fractura não se situa entre esquerda e direita, mas sim entre moderados e esquerdistas. De facto, há mais afinidades entre o PSD e o PS do que entre este e o PCP e o BE. E para o demonstrar não é necessário recorrer a posição perante tratados, o euro ou a Europa. Estas entidades são ocasionais e o modo como os partidos se posicionam perante elas depende da sua opção política anterior. A diferença está mais entre a aceitação de uma economia de mercado, da defesa da propriedade privada e das regras da democracia representativa e a sua recusa. O socialismo democrático moderno não pressupõe a necessidade, nem sequer a vantagem, de manter uma tutela apertada da economia pelo estado, embora defenda um sector público importante, não estrangula a iniciativa privada, embora tenda a manter um estado social forte, e principalmente defende o estado democrático. Aproxima-se, portanto, mais dos partidos considerados de direita ou de centro-direita do que dos outros partidos de esquerda. Os partidos de inspiração comunista, onde se inclui claramente o BE, propõem, por outro lado, a apropriação pelo estado dos sectores estratégicos e do poder económico, seja essa apropriação, se necessário, por meios violentos, embora a sua propaganda, mormente em tempos de aproximação de eleições, esconda estes princípios. Embora se tenham adaptado bem aos regimes democráticos, a história ensina que, uma vez no poder, adoptam modos de governação ditatoriais. A principal fractura política não passa portanto entre esquerda e direita, com o PS, o PCP e o BE dum lado e o PSD e o CDS do outro; a fractura actualmente situa-se entre os partidos que defendem uma economia de mercado e os que preferem uma economia planificada. Antes do aparecimento de esquerdas que não se apresentam como comunistas, era possível afirmar que a fractura passava entre os partidos democráticos e os não democráticos. Mas a existência do BE (e eventualmente de outros recém-vindos) não permite manter essa divisão, já que o BE não manifestou ainda tendências anti-democráticas, nem defendeu, que eu saiba, a ditadura do proletariado como modo de instaurar o socialismo,mas no resto ideias semelhantes às do PCP.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Liberdade de voto

Não sei se a autoria da designação de "liberdade de voto" para a ausência de apoio ou de indicação explícita de voto num determinado candidato nas próximas eleições presidenciais é da comunicação social ou de alguma autoridade de um partido. Só sei que todos os órgãos de comunicação começaram a dizer que tanto os partidos da coligação PàF como o PS tinham dado liberdade de voto para essa eleição que se aproxima. Ora, mesmo que se refiram apenas aos militantes dos partidos, e ainda menos se se pretendiam referir-se ao eleitorado em geral, essa afirmação não faz sentido. A chamada liberdade de voto tem sentido quando se refere a um grupo de votantes restrito e sujeito, em princípio, a uma disciplina de voto. No caso de uma eleição geral, como as legislativas, as regionais e as presidenciais, todo o eleitorado é constituído por todos os cidadãos com certas condições, como limites de idade ou outras, mas o voto é sempre livre e em consciência e não se pode impor qualquer regra mesmo a militantes, funcionários ou outras categorias. Portanto há sempre forçosamente liberdade de voto. Não há nem pode haver legalmente nem na prática restrições a essa liberdade, até porque o voto é secreto. Os partidos apenas podem apoiar uma ou várias candidaturas ou recomendar o voto, nunca limitar a liberdade. Portanto também não a podem dar.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Rescaldo das legislativas

Há alturas em que um cómico diz verdades profundas (como acontecia já em tempos remotos com os bobos). Desta vez foi Ricardo Araújo Pereira que demonstrou que nas legislativas de ontem todos os partidos ganharam: A coligação ganhou porque ficou em primeiro lugar, o PS ganhou porque conseguiu tirar a maioria absoluta à coligação, o BE ganhou porque ultrapassou o PCP e o PCP ganhou porque ganha sempre... a sério: porque aumentou a representação parlamentar em 1 deputado e aumentou em número de votos e em percentagem. Depois, o mesmo humorista mostrou com a mesma clareza que todos tinham perdido e que, afinal, todos tinham empatado. Fora de brincadeiras, mantenho o que disse ontem sobre a vitória da coligação. Como afirma Miguel Esteves Cardoso no Público, "Ganhar é fácil de definir: é quem fica à frente. Quem ganhou as eleições de ontem foi a coligação que nos governa. Se tem ou não maioria absoluta (mais deputados do que todos os outros juntos) é secundário." Parece-me uma verdade evidente. É o critério que usamos diariamente na prática: Numa corrida, o vencedor é quem chega primeiro à meta. Não interessa quantos chegam depois, com que atraso cortam a meta nem quem são. Em concursos e eleições passa-se o mesmo: o vitorioso de vários candidatos é que tem mais votos, tenham os outros o que tiverem, mesmo que o número de votos dos outros candidatos somado ultrapasse o do vencedor. No caso dum parlamento ou de outras assembleias em que há decisões que são votadas por todos, isto não significa que quem ganha sem maioria absoluta tenha a mesma possibilidade de decidir livremente, mas lá por isso não podemos dizer que não ganhou.

Outra afirmação minha de ontem foi sobre o discurso de Passos Coelho. Disse que foi um grande discurso. Direi mesmo que foi notável. Não procurou disfarçar o facto de não ter atingido o objectivo de uma maioria absoluta, embora não lhe quisesse chamar assim. Pelo contrário, definiu a situação de forma exacta e tirou logo as consequências.

Por fim, afirmei que houve uma clarificação da posição do PS. António Costa teve o cuidado de afastar a possibilidade de inviabilizar um governo da coligação para poder formar um governo de esquerda apoiado na CDU e no BE. Mesmo que a liderança de António Costa venha a ser posta em causa, não vejo que o PS sob outra chefia possa tomar essa opção e ainda menos concretizá-la.

A minha sensação foi, portanto, de alívio. Como Passos afirmou, é indispensável uma negociação com o PS, não só para formar um governo viável, mas também de forma contínua para a aprovação das decisões de governação. Será difícil? Claro que sim. Haverá instabilidade? Possivelmente. Não será possível completar a legislatura, tendo o governo da coligação uma vida curta? Talvez. Mas um possível governo "de esquerda" do PS com apoio, qualquer que fosse a forma de concretizar esse apoio, do PCP e do BE será mais fácil, mais estável e mais durável? É altamente duvidoso.

Legislativas

Vitória da coligação, sem maioria absoluta mas vitória expressiva. Grande discurso de Passos Coelho. Clarificação da posição do PS perante um Governo da coligação. Alívio!

sábado, 3 de outubro de 2015

Desemprego, empobrecimento, dívida pública, emigração e inércia

Há um princípio fundamental da Física que se aplica a muitos domínios para além da Física, mas que é mal compreendido pela maioria das pessoas, até por alguns físicos. É o princípio da inércia. Na prática é difícil de compreender que qualquer corpo em movimento seguirá movendo-se se nenhuma força se exercer sobre ele. Pois se eu quero que o meu automóvel continue a andar numa estrada plana, terei de manter o pé no acelerador. Se eu der um valente pontapé numa bola, ela acabará por parar sem que eu veja nenhuma força a forçá-la a deixar de rebolar pelo chão fora. Forças como o atrito ou a resistência do ar não são intuitivos. Daí que o fenómeno da inércia não seja bem compreendido. Mas quando o tempo começa a arrefecer, como agora no Outono, a minha casa mantém uma temperatura agradável durante alguns dias quando lá fora já está mais fresco. Até a nível planetário se observa o fenómeno do retardamento da alteração da temperatura após os solistícios. O Verão começa cerca de 21 de Junho, mas o pico do calor dá-se em Agosto. Do mesmo modo, o solistício do Inverno é à roda de 21 de Setembro, que é o dia mais curto do ano, mas o mês mais frio é Dezembro. É a chamada inércia térmica. A inércia provoca portanto um desfasamento entre a  causa e o efeito, um retardamento do efeito em relação à causa.

O conceito de inércia aplicado ao campo da macroeconomia é mal compreendido pela generalidade das pessoas. Daí que os governos sejam frequentemente louvados ou castigados pelos efeitos ao retardador de decisões tomadas pelos governos anteriores. No caso concreto da situação portuguesa, quem olha para as curvas do desemprego, para as variações do PIB, para a variação da dívida pública e para outros fenómenos relacionados com a crise culpa frequentemente o governo em funções nesse momento. De modo inverso, um governo pode ser considerado mais eficaz por aproveitar dos efeitos de estímulos positivos de governos anteriores.

Claro que esta longa introdução tem por fim ilustrar o engano em que muitas pessoas caem e que alguns políticos aproveitam sobre a situação actual em Portugal. O governo de Sócrates criou todas as condições para uma crise económica, gastando demais, investindo em projectos não rentáveis e promovendo o endividamento. A crise internacional ajudou e veio tornar inevitável o pedido de ajuda que Sócrates não queria e a que só tarde recorreu por já não haver outra solução. Os efeitos da situação catastrófica do País e das duras condições negociadas com a troika para podermos aceder a um empréstimo indispensável só se tornaram evidentes mais tarde, já durante o governo seguinte (o ainda actual). E estes efeitos foram profundos e duráveis. Daí que uma observação descuidada possa concluir que, como durante o governo de Sócrates havia dinheiro a circular em quantidade, o desemprego era mais reduzido, os funcionários públicos e os pensionistas ganhavam mais e os impostos eram mais baixos, entre outros aspectos, ao passo que durante o governo de Passos Coelho, durante mais de 2 anos, o desemprego aumentou muito, os salários e as pensões sofreram cortes e os impostos tiveram um aumento colossal, o governo de Sócrates era bom e o actual governo é mau. Que muita gente pense assim, é natural, porque o efeito da inércia e do desfasamento entre causa e efeito nunca foi bem explicado. Já que haja políticos e economistas que apregoam estas conclusões é menos aceitável e é de admitir que o façam para enganar o público sabendo que não têm razão. Se não é um truque para enganar e pensam que têm razão, então é forçoso concluir que não têm as qualidades e a experiência mínimas para poder governar, caso contrário o que lhes falta é a idoneidade necessária para cargos de governo.