sábado, 28 de fevereiro de 2015

Manuela Ferreira Leite vs. Maria Luís Albuquerque

Na sua participação na conferência Lisbon Summit, que a The Economist organizou há dias em Cascais, A Ministra das Finanças defendeu que, para manter o défice baixo, como estamos obrigados, só é possível reduzir a elevada carga fiscal reduzindo a despesa. Esta posição de Maria Luís Albuquerque foi objecto de um duro ataque da ex-ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite no programa Política Mesmo. Ferreira Leite acusou a Ministra das Finanças de só pensar no défice e na despesa, sem ter em atenção outras variáveis. Mesmo instada por Paulo Magalhães a explicar como seria possível diminuir os impostos sem reduzir a despesa, Manuela Ferreira Leite não justificou a sua acusação, mudando de assunto. Pensaria, como Seguro e, ao que parece, agora António Costa, que é possível baixar impostos mantendo o défice (em percentgem do PIB) apenas pela via do crescimento? Já foi demonstrado que isso não é possível a curto prazo, pois seria necessário conseguir taxas de crescimento enormes. Não se percebe porque, quando Ferreira Leite esteve na pasta das finanças, preferiu aumentar os impostos em vez de apostar no crescimento.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Troika ou não Troika

Tem sido citada como uma falsa vitória do governo grego a alteração da designação da Troika para "as instituições" ou "as três instituições". O ministro Varoufakis tinha feito questão de que não trabalharia mais com os representantes da Troika, mas sim com as instituições europeias, de acordo com a promessa eleitoral de Tsipras que, logo no primeiro discurso após a vitória, afirmou que "não pretendia negociar com a Troika mas sim com as instâncias europeias". Claro que se esqueceram de que o FMI não é uma instância europeia e que seria indispensável negociar também com esta instituição. Assim, depois da reunião de Sexta-feira, os gregos ficaram muito satisfeitos por ter ficado acordado de que as negociações com os credores institucionais seriam conduzidas com "as instituições" em vez de ser com a Troika. O que a Grécia teria conseguido, como foi largamente salientado, seria apenas uma alteração semântica, mesmo que alguma esquerda realce o significado simbólico e mesmo político da designação.

Para ajuizar da justeza destas posições, dei-me ao trabalho de consultar alguns documentos relativos aos resgates dos países intervencionados. Verifiquei que, como suspeitava, a palavra "Troika" não aparece em nenhum. A designação "Troika" foi adoptada por meios de comunicação e depois por responsáveis políticos, incluindo os da União Europeia, como uma simplificação não oficial. Portanto a alteração da denominação nem sequer existiu. Não foi semântica, nem simbólica e muito menos política. Foi uma não existência. Não houve qualquer alteração. A reivindicação grega nem teve razão de existir.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A questão do momento

A questão do momento não é se o documento que o governo grego entregou hoje ao Eurogrupo, para apreciação das medidas que vai tomar, vai ou não ser aceite, ou como vai o povo grego reagir ao acordo a que Varoufakis chegou com os restantes parceiros do Eurogrupo, ou ainda se vai o governo grego conseguir manter parte substancial das suas promessas eleitorais e mesmo assim cumprir o acordo. Tudo isso são questões que, por importantes que possam ser para o futuro da União Europeia, não parecem preocupar minimamente os partidos e movimentos de esquerda nem os comentadores de diversas sensibilidades como Adão e Silva, Costa Pinto, Marques Mendes e Rebelo de Sousa. Não, o foi hoje assunto de comentário de toda esta gente foi se o Governo português e em particular a Ministra das Finanças seguia fielmente ou não as ordens de Schäuble e de Merkel e, ainda mais, se tinha recomendado firmeza ao ministro alemão. Por arraste a questão do momento é se Portugal se inclina subservientemente ou mesmo se se põe de joelhos perante a Alemanha. (Também poderia ser se a Alemanha aceita as sugestões de firmeza de Portugal.) Magna questão. É a política no seu aspecto mais puro! Tudo o resto é secundário...

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Acordo, trégua ou vitória? Vitória de quem?

Depois de dias de tensão, conseguiu-se enfim um acordo entre a Grécia e os restantes 18 países do Eurogrupo. Ainda não está definido quem cedeu mais. Sou dos que pensa ter sido melhor este acordo de princípio que adia quase tudo do que um rompimento que poderia levar a Grécia a sair do Euro. Há quem não pense assim. O futuro dirá quem tem razão.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Premissas falsas, conclusões erradas

A carta que 32 "notáveis" publicaram dirigida, ao que dizem, ao Primeiro-ministro já foi desmontada por quem tem para isso mais habilidade do que eu. Há, no entanto, um aspecto para o qual eu gostava de chamar a atenção: A falsa lógica. Partindo de premissas falsas, pode-se, usando a lógica mais correcta, chegar a conclusões erradas. No estilo do silogismo

Tudo o que á raro é caro.
Cavalo bom e barato é raro,
Logo, cavalo bom e barato é caro.

Neste caso não só se chega a uma conclusão errada como a uma conclusão irracional, ela própria ilógica.

Vejamos as premissas:

"Os factos têm evidenciado que este caminho (o caminho da austeridade) é contraproducente"
Errado, apesar de repetido em inúmeros discursos da esquerda e não só. A austeridade é uma consequência da redução de meios provocado pela impossibilidade de continuar o endividamento galopante. Menos meios exigem menos gastos. Os países que eram gastadores para além das suas possibilidades seguiram programas de contenção que tiveram efeitos negativos, mas possibilitaram, quando bem aplicados, a saída da situação de necessidade crescente de endividamento. A Irlanda e Portugal são exemplos de que "este caminho" não foi contraproducente. Permitiu chegar a novas situações de crescimento e de redução do desemprego.

"Este momento exige por isso uma atitude construtiva, que conduza a uma cooperação europeia de que Portugal não se deve isolar." Esta cooperação existe nas numerosas reuniões do Eurogrupo e Portugal não está isolado: participa activamente.

"O momento actual oferece uma oportunidade única que não pode ser desperdiçada para um debate europeu sobre a recuperação das economias e das políticas sociais dos países mais sacrificados ao longo dos últimos seis anos." Que tem o momento actual de especial? Que oportunidade única é essa? Será que a chegada de um partido de extrema esquerda ao poder num país da Zona Euro representa alguma oportunidade de debate? Até agora mais parece que o debate é mais eficaz entre os restantes países.

"É por isso também do interesse de Portugal contribuir activamente para uma solução multilateral do problema das dívidas europeias reduzindo o peso do serviço da dívida em todos os países afectados" - É novamente a velha ideia da reestruturação da dívida. Já foi mais do que discutida essa ideia e os seus inconvenientes. Pensar que um "debate europeu" pode chegar a uma "solução multilateral" é uma ilusão perigosa.

"é ainda necessário que Portugal favoreça uma Europa que não seja identificável com um discurso punitivo" - Não existe qualquer "discurso punitivo" na Europa. O que existe é um dos países da Zona Euro que quer deixar de respeitar os seus compromissos (embora afirme o contrário) e que pretende forçar os restantes países a aceitar a situação. Ninguém quer punir ninguém. O discurso da Europa é o discurso do cumprimento dos compromissos e do pagamento das dívidas.

"que não humilhe estados-membros" - A acusação de tentativa de humilhação, nomeadamente sobre o discurso do Presidente da República, não tem qualquer sentido. Seria conveniente uma análise deste ou de outras declarações para determinar onde possa estar a humilhação.

"que não destrua o emprego e as economias" - O discurso pretensamente punitivo destrui emprego e economias? Puro delírio.

"Estamos certos, senhor primeiro-ministro, de que agora é o tempo para este apelo à responsabilidade" - Novamente se pergunta: Agora é o tempo porquê? Não foi antes, não será depois, mas é exactamente agora? Que tem o momento de especial?

"numa Europa em que tanto tem faltado o esforço comum para encontrar soluções" - É uma opinião não baseada em factos e que ignora os esforços de auxílio aos países em dificuldade.

Gostava de saber se esta carta dirigida, ao que dizem, ao Primeiro-ministro, lhe foi efectivamente endereçada. É certo que foi intitulada "Carta ao primeiro-ministro de Portugal" e que se criticou Passos Coelho por não ter respondido, mas nunca ouvi dizer se lhe foi mesmo entregue. De qualquer modo, esperar uma resposta de uma carta publicada nos meios de comunicação não faz muito sentido.

Nota: A carta foi escrita com a ortografia do Aborto Ortográfica de 1990. Por me recusar a usar esta aborto, corrigi as citações para português correcto.

Democracia

Nunca estive na Grécia, mas é um país com o qual simpatizo, pela sua história, pela sua língua (apesar de pouco a conheer para além do alfabeto), pela sua arte, pelos poucos gregos que não conheço pessoalmente mas que conheço pelas suas obras. Lamento profundamente o estado de degradação a que a Grécia chegou, principalmente pelo desemprego intolerável e pela situação difícil em que vive o povo, mesmo a parte que não sofre desemprego. Não tenho conhecimentos para poder com certeza identificar os culpados desta situação, mas perece-me caricato, além de injusto, culpar a Alemanha ou a Sr.ª Merkel, ou atribuir todos os males à austeridade. (A propósito dos males atribuídos à austeridade, aconselho a leitura do artigo A austeridade e o seu Contrário n'O Insurgente.)

Tenho também uma grande admiração pela democracia, que é, como dizia Churchill "a pior forma de governo imaginável, à excepção de todas as outras que foram experimentadas." Em particular, respeito a escolha democrática dos gregos pelo partido Siriza. O que não quer dizer que concorde com as ideias contidas no programa de governo deste partido, mas compete aos gregos escolher e estes escolheram maioritariamente o partido de Tsipras (36,34% dos gregos que votaram). Em democracia é assim. Apesar de mais de 50% dos eleitores não terem aprovado o Siriza, as regras livremente aceites ditaram que o Siriza pudesse formar governo.

Já não posso concordar com os que afirmam que, por os gregos terem democraticamente escolhido o partido que deu origem ao governo grego actual (em coligação por lhe faltarem 2 deputados para a maioria, mas isso não afecta a legitimidade do governo), os cidadãos dos restantes países da UE e em particular os da Zona Euro terão de concordar com as exigências que o programa de governo contém, para além das normas especificamente internas. É evidente que, se nos outros países a maioria estivesse de acordo com as ideias do Siriza, teriam votado apoiando os partidos de extrema esquerda com programas próximos dos princípios que o Siriza defende. Ou pelo menos, tendo em conta a volatilidade das vontades dos votantes, as sondagens sugeririam a supremacia destas partidos. Ora não é o que acontece. Em Portugal, isto corresponderia a resultados próximos da maioria para o Bloco de Esquerda ou deste em conjunto com os pequenos partidos mais próximos, como o LIVRE. Vemos que na última sondagem divulgada, a da Eurosondagem para a SIC, o Bloco de Esquerda tem uma esperança de obter 4% dos votos expressos e mesmo somado ao LIVRE não ultrapassa os 6,2%. Os eleitores portugueses, portanto, não concordam na sua grande maioria com tais ideias. Porque razão teriam então de as aceitar passivamente como boas ou, mais ainda, sentirem-se representados por estes partidos, como pretende Louçã? A situação noutros países, tanto quanto sei, não é muito diferente. Mesmo em Espanha, o Podemos ainda não conseguiu aproximar-se dos números do Siriza.

Repito que penso que devemos respeitar a escolha dos gregos. Mas como não estamos de acordo com as ideias que esta escolha significa, para uma convivência num projecto comum, como é o Euro, será preciso encontrar uma solução de consenso, por muito difícil que isto seja. Ou então a Grécia deverá desligar-se do projecto comum, o que não é desejável para os gregos nem para os restantes parceiros da Zona Euro.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Dívidas

Suponhamos que uma honesta dona de casa, a que poderemos chamar D. Teresa, está com dificuldades económicas. A conta na mercearia tem aumentado e a honesta D. Teresa não sabe como a vai poder pagar, até porque tem outras despesas inadiáveis, não só a prestação da casa, mas também a água, a electricidade, a TV por cabo, o telefone, o colégio dos filhos, a conta da farmácia, o cabeleireiro, etc.. Felizmente que, ao contrário de outras contas, o Sr. José da mercearia lhe tem fiado os artigos indispensáveis para alimentar a família, ao passo que a EDP, a EPAL, a PT, e outros fornecedores, mesmo a simpática Sr.ª Madalena, do cabeleireiro, não são tão compreensíveis e podem cortar-lhe os respectivos serviços se não os pagar nos prazos determinados. Mas agora até o Sr. José vem insistindo para pelo menos pagar os créditos mais antigos, fazendo notar que ele próprio não vive desafogadamente e a mercearia tem despesas inadiáveis, para já com os fornecedores. Depois de muito cogitar, a D. Teresa resolveu ir falar francamente com o Sr. José e propor-lhe um plano: ´Depois de explicar as suas dificuldades, pediu que ele lhe perdoasse metade da da dívida e que lhe desse um prazo muito alargado para pagar o restante. Perante a recusa do Sr. José, desistiu do perdão parcial, mas suplicou que aliviasse as condições de pagamento e lhe concedesse ainda um crédito para os alimentos mais urgentes, para os quais não tinha dinheiro. Tendo o Sr. José sugerido delicadamente que deixasse de pintar o cabelo e suspendesse a TV por cabo, a D. Teresa acusou-o de se estar a meter na sua vida, que tinha todo o direito de tomar decisões sobre a sua vida, e de estar a tentar chantageá-la e a ser injusto, já que o Sr. José também tinha TV por cabo e a sua mulher também is regularmente ao cabeleireiro e pintava o cabelo.

Perante estas circunstâncias, que atitude deverá tomar o Sr. José?

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Manuel de Lucena

Conheci-o em 1962. Admirei o seu raciocínio e a capacidade de convencer. Foi um dos estrategas do movimento, predominantemente expontâneo, dos estudantes em defesa do Dia do Estudante. Nunca mais o vi. Ao longo dos anos li alguns, poucos, dos seus artigos. Verifiquei que continuava com a mesma lucidez, embora nem sempre tenha concordado com o que escrevia. Como diz Helena Matos, morreu um homem livre.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Manifesto dos 74

Perante as dificuldades que o novo Governo grego, e em particular o Primeiro-ministro e o Ministro das Finanças, estão sentindo para defender as suas ideias quanto à reestruturação da dívida grega, tendo já tido de recuar em aspectos que pareciam essenciais, como o perdão de metade da dívida, os subscritores do chamado Manifesto dos 74 (que parece que passaram a 148), assim como os subscritores estrangeiros do Manifesto dos 74 Estrangeiros, entre os quais se encontra o próprio Varoufakis, devem estar, se têm um mínimo de sentido da realidade, bastante arrependidos de se terem deixado enganar tanto.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Défice e dívida

António Costa e Jerónimo de Sousa estão de acordo em apontar como um dos crimes deste Governo o facto de deixar aumentar a dívida pública. No entanto não criticam o Governo por ter tido sistematicamente défices nas contas públicas. Aliás tal crítica seria incoerente. Não sei como seria como o PCP no governo, mas com o PS vimos demasiado bem como os défices eram a regra. Não têm a noção de que, apresentando défices nas contas do Estado, a dívida pública tem forçosamente de aumentar. Também não elogiam o Governo por ter conseguido baixar o défice de ano para ano e prometer anulá-lo. Ao mesmo tempo bramam contra a austeridade que permitiu esta baixa, que permitirá parar o aumento da dívida.