domingo, 27 de dezembro de 2015

Inversão do ónus da prova

Não é só o "barão da droga" do Porto que não merece o adjectivo de "alegado", sendo já condenado na imprensa mesmo antes de qualquer julgamento. Também no caso BANIF, noticia-se que as contas dos gestores do banco foram congeladas, mas, "segundo adiantou ontem o semanário Sol, os administradores têm agora de provar que não contribuíram para o fim do banco que levou à medida de resolução". Não percebo nada de direito, mas parece-me um caso óbvio de inversão do ónus da prova.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Votos

A pretendida renacionalização da TAP, a indesejável privatização do BANIF, a acidentada aprovação do orçamento rectificatico (recuso.me a tirar o c), o estado de saúde da saúde, tido temas que davam para longos comentários, mas é Natal e é tempo de paz. Tudo fica para mais tarde. Bom Natal!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O não-engenheiro

Não nos veremos tão cedo livres da presença televisiva do Sr. Pinto de Sousa, mais conhecido pelos primeiros nomes José Sócrates. O seu processo vai-se arrastando e tarda a acusação, não se sabe se chegará a haver julgamento e quanto demorará, muito menos se imagina o desfecho. Mas entretanto há jornalistas que pensam que vale a pena continuar a falar dele e até entrevistá-lo, como se tivesse alguma coisa de novo a dizer. Nova foi a notícia de que o Ministério Público considera ilegal a conclusão do curso de Engenharia Civil do ex-primeiro-ministro José Sócrates na Universidade Independente. No entanto, segundo outra notícia, o MP mantém, contudo, o título de engenheiro a José Sócrates, considerando que o princípio de segurança jurídica se sobrepõe à legalidade.Respeito a opinião do MP, mas para mim é apenas uma opinião, que não obriga os cidadãos a segui-la. Como engenheiro licenciado e inscrito na Ordem dos Engenheiros, nunca tratei e não tratarei o Sr. Pinto de Sousa, vulgo José Sócrates, pelo título de engenheiro. Até considero que seria oportuno que a própria Ordem propusesse uma acção para o impedir de usar tal título, visto que, sendo a licenciatura ilegal, não deve poder inscrever-se ou, se já está inscrito, manter a sua inscrição. Se o princípio de segurança jurídica se sobrepõe à legalidade, coisa que me parece absolutamente extraordinária mas terei de aceitar por provir do MP, acho que o princípio da verdade se deve sobrepor à segurança jurídica, seja lá isso o que for.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A falta de cadeiras

A  escolha dos representantes da Assembleia da República para o Conselho de Estado nunca deu tanto que falar. O parlamento tem direito a designar 5 conselheiros. A distribuição exige um acordo entre os partidos e a tradição é atribuir 3 lugares para o partido maioritário e 2 para o segundo partido. Mas desta vez as coisas complicaram-se, tal como aconteceu na atribuição do direito de formar Governo. O PS sente-se no direito a 3 lugares, apesar de não ter sido o mais votado, devido ao apoio dos partidos de extrema esquerda. Mas esta apoio não é grátis; o BE já reclamou 1 lugar para si e o PCP dá indícios de que também o deseja, embora afirme que não anda à procura de lugares. São candidatos a mais para as 5 cadeiras. Quase me apetece sugerir que joguem ao jogo das cadeiras, em que os n candidatos fazem roda em volta de n-1 cadeiras que tentam ocupar ao sinal combinado, sobrando naturalmente o candidato mais lento, que já não encontra cadeira onde se sentar.

(Não resisti a reproduzir esta ilustração do sítio da Renascença.)

É o oposto de "As Cadeiras" de Ionesco, em que sobram cadeiras vazias e falta quem as queira ocupar.


A austeridade de Costa

Estávamos todos à espera que António Costa procedesse de acordo com o que defendera e acabasse com a maldita austeridade, nomeadamente que acabasse com a sobretaxa do IRS e com os cortes nos salários da função pública mais depressa do que o prometido pela PàF. Para mais era de esperar que os acordos, semi-acordos e pseudo-acordos com os partidos de extrema esquerda tendessem a acelerar o ritmo de demolição completa da austeridade. Surpreendentemente ouvimos agora Costa afirmar sem pestanejar que o país não dispõe de condições financeiras para fazer uma devolução total da sobretaxa do IRS e que o ritmo da devolução depende da situação das finanças. Então a austeridade não era uma opção do anterior Governo porque seguia uma política de empobrecimento deliberado do País?

domingo, 13 de dezembro de 2015

Lula e o colonialismo

Ouvi que o ex-presidente brasileiro Lula da Silva é de opinião que a culpa do atraso da educação no Brasil é do colonialismo português. É o que se pode chamar um efeito de longa duração. Parece evidente que desde 1822 até à actualidade os brasileiros tiveram tempo de resolver qualquer atraso educativo que tenham herdado do tempo do Brasil colónia portuguesa.

sábado, 12 de dezembro de 2015

Rua Nova dos Mercadores

Referi-me em tempos à descoberta de pinturas que representavam a Rua Nova dos Mercadores pré.pombalina. Na altura consegui fotografias das telas descobertas, mas de uma delas tive de reproduzir uma imagem com parte tapada tirada da gravação da notícia da TV. Hoje verifiquei que alguém visitou agora esta minha página deste blog e, ao lembrar-me do assunto fui procurar se já conseguia encontrar a pintura que ficara incompleta. Achei. Aqui está:


Já agora, reproduzo novamente a outra tela em formato maior para se ver bem.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Idosos e animais

Ouvi com espanto a notícia de que o projecto de lei apresentado pelo PSD e pelo CDS para criminalização do abandono de idosos foi furiosamente atacado pelos partidos de extrema esquerda. Espantou-me a notícia em si e espantaram-me os argumentos, ou pelo menos um dos argumentos usados contra este projecto. Baseava-se ele no alegado facto de a coligação do Governo da anterior legislatura ter tratado mal os idosos, tê-los mesmo atacado. Ora, por um lado não sei em que se baseia esta afirmação. Será pelos cortes nas pensões? Só pode, visto que outras maldades que o Governo de Passos e Portas tenha feito, tais como aumento de impostos, taxas moderadoras e outras malfeitorias (acordadas entre o PS e a troika), não atingiram os idosos em particular. Sendo eu próprio idoso sei do que falo: claro que também tive a minha pensão cortada (além de há muito congelada, mas neste caso a culpa também foi do PS). Mas há que ter em conta que os idosos com pensões mínimas não só não tiveram cortes como viram as suas pensões descongeladas e, ao contrário do que o PS fizera, tiveram os seus aumentos anuais. Por outro lado, mesmo que o anterior Governo tivesse sido muito mau para com os idosos, isso não seria argumento para desvalorizar o projecto de lei. O abandono de idosos, nomeadamente nos hospitais, é um flagelo que precisa de ser combatido. Se a lei proposta não era correcta, que propusessem as modificações que considerassem necessárias.

Num momento em que o abandono de animais de estimação está, e bem, sujeito a penalizações legais, é difícil de compreender que o abandono de idosos não seja também penalizado.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Vocês, deputados

Nunca tinha ouvido nenhum orador dirigir-se aos deputados em plena sessão parlamentar com a expressão "vocês". Nem estava à espera de ouvir tal coisa, muito menos dum ministro. Por pelo menos duas vezes. Foi o novo Ministro das Finanças, Mário Centeno, na sessão de apresentação do programa do Governo, no mesmo debate em que afirmou que pôr em prática as suas conclusões "científicas" levaria ao desastre. Pode-se dizer que a forma como se tratam não tem importância, que o que interessa é o conteúdo do debate e não o modo mais ou menos delicado como se dirigem uns aos outros. Mas nas relações políticas oficiais há um formalismo que convém manter, por uma questão de delicadeza e de decência. Logo no início do debate, ao dirigir-se à deputada Heloísa Apolónia como "Senhora Doutora", foi advertido pelo Presidente Ferro Rodrigues de que deveria tratá-la por "Senhora deputada", ao que acedeu prontamente. Mas pouco depois veio o "vocês". Pode-se dizer que, tendo estudado nos Estados Unidos, onde todos se tratam por you, não pensou bem que em Portugal não é assim. Também pode considerar-se como desculpa o facto de naturalmente estar nervoso por ser a sua primeira intervenção na AR, mas, mesmo com estas possíveis desculpas, é um tratamento completamente inadequado e alguém lhe devia dar umas instruções de civilidade e etiqueta.

sábado, 5 de dezembro de 2015

BE e medicinas alternativas

Segundo li no Diário Digital, o BE defende a inclusão no SNS da homeopatia e da "medicina tradicional chinesa", que os profissionais que praticam essas "medicinas" tenham "a integração no mercado de trabalho que merecem" (o BE parte do princípio que a merecem...) e ainda que tenham isenção de IVA como os médicos verdadeiros. Sobre o assunto, comentei no Facebook: "Não me pronuncio sobre as chamadas medicinas tradicionais chinesas, que são muito variadas e que desconheço quase completamente, excepto a acupunctura que parece poder ter efeito analgésico em certos casos e foi até reconhecida pela FDA, mas cada caso é um caso e a homeopatia, em particular, está completamente desacreditada e só tem um efeito igual ao efeito placebo. Ver o artigo "Médicines Alternatives" na revista Science et Vie n.º 1168 de Janeiro de 2015. As técnicas e produtos que não provem a sua eficácia podem ser legisladas para evitar burlas, mas não devem ser reconhecidas no SNS."

Também Luís Aguiar-Conraria escreveu em A Destreza das Dúvidas
Dado que em Portugal o Bloco de Esquerda é, provavelmente, o principal promotor de homeopatetices económicas, e já há vários anos, faz todo o sentido que, agora que estão em vias de conseguirem os seus intentos no âmbito da política económica, mantenham a pressão na política de saúde."

Já agora, porque não reconhecer também e integrar no SMS a medicina tradicional indiana, a tailandesa e tantas outras que são ainda usadas por esse mundo fora?

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Serviço público e bens públicos

Ouvi há pouco uma afirmação de Manuela Ferreira Leite que, tal como a de Mário Centeno sobre os artigos científicos, me deixou confuso. Disse Ferreira Leite que é contra a privatização dos transportes públicos porque sendo um serviço público deve ser público e não privado. A Dr.ª que me perdoe, mas o que disse parece-me ser um grande disparate. Em todo o mundo há serviços públicos prestados por privados, muitas vezes em regime de concessão. Em Portugal já foram privatizados várias empresas que eram públicas e que prestam serviços públicos e até agora não se verificaram inconvenientes dessas privatizações, a não ser na imaginação de alguns socialistas e de todos os comunistas. Se Ferreira Leite se referia exclusivamente aos transportes, deveria ter em conta que, após a onda de nacionalizações do PREC, muitas empresas de transportes públicos foram privatizadas e continuam a prestar o seu serviço. Um serviço público não tem obrigatoriamente de ser propriedade pública.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Para que serve a Ciência?

Parece que afinal a Ciência não serve para nada. Segundo um brilhante economista que tem um currículo muito respeitável, não se deve tentar "transpor conclusões de artigos científicos para a legislação nacional, porque se tentar fazer isso é um passo para o desastre". Ouvi e fiquei confuso. No artigo científico que o deputado Miguel Morgado citou em pleno parlamento, Centeno, o brilhante economista, afirmava que o aumento do salário mínimo a ritmos superiores à soma do aumento da produtividade com o taxa de inflação provoca mais desemprego e problemas para os trabalhadores de menor rendimento. Ora agora, Centeno, o mesmo brilhante economista, é o responsável pelas finanças de um Governo que anuncia um enorme aumento do salário mínimo (19% em 4 anos), sem qualquer relação com a produtividade, que não se sabe se vai aumentar, nem com a inflação, que está próxima de 0%. E, posto perante esta flagrante contradição, saiu-se com a desculpa esfarrapada acima citada. Para que servem afinal os artigos científicos e as suas conclusões se não se podem pôr em prática? É só na economia que isso acontece? Ou na Física e na Química também? E na Medicina? Corro o risco de causar desastre se pretender levar à prática uma conclusão de um artigo científico? Na minha vida profissional não fiz ciência, porque não sou cientista, mas levei muitas vezes à prática conclusões científicas e sempre verifiquei que a Ciência tem razão, se bem aplicada não leva a desastres.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Os poderes do Presidente da República

Já várias vezes a extrema-esquerda tem acusado o Presidente Cavaco Silva de não respeitar a Constituição ou de extravasar os seus poderes. Hoje, mais uma vez, o PR foi violentamente atacado por ter "solicitado ...  a clarificação formal" de algumas "questões que ... suscitam dúvidas", no sentido declarado de "encarregar o Secretário-Geral do Partido Socialista de desenvolver esforços tendo em vista apresentar uma solução governativa estável, duradoura e credível. Não me parece que as críticas e as acusações de ir para além dos seus poderes tenham razão. Muito menos creio que Cavaco Silva esteja a actuar para além da Constituição ou contra a Constituição. O que o PR tem de fazer, segundo a Constituição, é, para nomear o Primeiro-Ministro, ouvir os partidos representados na AR e ter em conte os resultados eleitorais. Nada diz a Constituição sobre como deve ter em conta os resultados eleitorais nem impõe nem exclui outras diligências. Ora, segundo disse uma vez Sá Carneiro (e eu nunca mais esqueci), o que não é proibido é permitido. Este princípio geral do direito aplica-se também, evidentemente, aos juízos que o PR pode fazer e ao que pode, em consequência, solicitar aos candidatos ao cargo de PM. Nada o impede de "solicitar" "clarificação formal" de questões. A competência do PR decorre de ter sido eleito por voto "universal e directo", não dependendo nem se subordinando à Assembleia da República.

Note-se que, ao contrário do que hoje foi noticiado, o PR não apresentou exigências a António Costa. Apenas solicitou clarificações. Isto é absolutamente legítimo para ajuizar sobre as condições deste formar um Governo com as condições requeridas, condições que o PR tem legitimidade de definir e que, neste caso, são a estabilidade de modo duradouro e a credibilidade. Será pedir muito? Para mim é o mínimo.

domingo, 22 de novembro de 2015

Golpe

Não consigo compreender por que critério Sócrates defende que o plano de António Costa para atingir o poder, aliando-se aos comunistas do PCP e do BE para derrubar o Governo recém-formado e forçar o PR a indigitá-lo como Primeiro-ministro dum governo minoritário, não é um golpe, afirmando que golpe foi a queda do seu Governo em 2011 quando os partidos "da direita" se aliaram à extrema-esquerda para o derrubar. Não compreendo por duas razões:

Primeiro: O PSD e o CDS não derrubaram o Governo de Sócrates em 2011, apenas votaram contra um diploma legislativo, o PEC IV. Que o seu voto tenha coincidido com os do PCP e do BE não é da responsabilidade do PSD e do CDS. Votar no parlamento contra um diploma é um direito de qualquer deputado. Que Sócrates tenha julgado necessário pedir a demissão em virtude da reprovação do PEC IV, foi uma decisão sua e não era obrigado a fazê-lo.

Segundo: Não houve qualquer aliança entre o PSD, o CDS e o PCP mais o BE; votaram todos do mesmo modo porque o seu julgamento sobre o PEC era coincidente. Mas mesmo que tivesse havido uma aliança, porque seria mais golpe do que a aliança agora declarada, embora baseada em frágeis acordos, do PS com os mesmos partidos de extrema-esquerda? O conceito de golpe parece ser apenas válido quando praticado pelos partidos à direita do PS.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Economistas de direita

Segundo Fernando Rosas, Cavaco, para ouvir hoje as opiniões de economistas, só convocou economistas de direita. Já vou estando habituado a ouvir classificar de direita os partidos da coligação do Governo que ainda nos governa, o PSD e o CDS, quando sempre considerei o PSD de centro-direita e o CDS de difícil classificação, com alguns assomos de direita e por vezes assomos de esquerda, mas considerá-los em conjunto de direita é uma classificação completamente errada. Mas agora chama-se direita ao centro-direita, chama-se centro à esquerda e chama-se esquerda à extrema-esquerda. É uma espécie de red shift ao contrário. Mas Rosas ainda foi mais longe, ao embarcar todos os economistas ouvidos hoje pelo PR no barco da direita, mesmo os que tiveram cargos governativos em governos do PS. Será que Rosas já acha que o PS é de direita? Será que também considera o economista Mário Centeno de direita? Sendo assim, não se compreende como admite que o BE concorde apoiar um governo do PS.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A história do califa

Veio-me à memória uma historieta que ouvi há muito sobre um país governado por um califa cruel e incompetente, que levava o país à desgraça e à banca-rota. Um velho e miserável derviche, que costumava sentar-se à porta do bazar da cidade, não deixava de rezar a pedir em voz alta longa vida para o califa. Um negociante do bazar, que ouvi diariamente as rezas do derviche, um dia não resistiu e perguntou-lhe: - "Porque pedes constantemente longa vida para o califa que nos desgraça? Não vês que ele só causa ao nosso povo infelicidade e pobreza?" O derviche respondeu-lhe prontamente: - "Sabes? Com a minha idade já conheci o avô do califa, que governou o país durante muitos anos e era muito mau, e depois o pai, que governou durante mais tempo e era ainda pior. É verdade que o actual califa é ainda muito pior que o avô e o pai, por isso desejo-lhe longa vida, pois quando ele morrer já pressinto que o califa que lhe suceder será muitíssimo pior. Alá dê longa vida ao nosso califa."

Não sei porque me lembrei agora desta velha história, mas há que reconhecer que corresponde a uma sabedoria antiga mas sempre actual.

sábado, 14 de novembro de 2015

Os partidos são todos iguais?

Uma noção simplista da democracia tem levado alguns a afirmar que não se deve fazer distinção entre partidos, que todos são igualmente aceitáveis numa democracia, que a noção do chamado "arco da governação" está errada e deve ser erradicada, que o muro que separa os partidos democráticos dos partidos extremistas revolucionários deve ser demolido. Numa visão legalista, tudo isto é verdade, mas como cada partido tem as suas próprias características e o seu próprio programa é forçoso reconhecer que os partidos não são todos iguais. Isto é evidente quando temos em conta que há partidos que se podem coligar para concorrerem ou para governarem em conjunto, mas para isso é condição indispensável que tenham programas compatíveis, embora diferentes. Numa perspectiva diferente, há que reconhecer que numa democracia como a nossa existem partidos que preconizam a destruição da própria democracia tal como nós a entendemos; são os partidos extremistas, tais como os anarquistas, os fascistas e os comunistas. Entre nós, os partidos fascistas estão interditos, anarquistas não há, mas o partido comunista é aceite como legítimo e tem os mesmos direitos de representação e de acção que os outros partidos. Os comunistas aceitam por estratégia, quando aceitam, o jogo democrático, mas o fim último é a substituição da nossa forma de democracia, a que chamam depreciativamente "democracia burguesa", por outras formas de governo. Não advogo a interdição do Partido Comunista nem de outros partidos que, com nomes diferentes, têm a mesma ideologia, mas não tenho dúvidas de que é natural que os partidos democráticos tenham desconfiança dos comunistas e recusem por princípio aliar-se a quem se submete à democracia na esperança de um dia haver oportunidade de a destruir. Os objectivos dos comunistas estão bem patentes nos estatutos do PCP e na extensa literatura do seu jornal, o Avante, ou ainda nos textos dos seus fundadores, nomeadamente no Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, que termina com a frase: "Os comunistas proclamam abertamente que os seus fins só poderão ser atingidos pela transformação violenta de toda a ordem social". Há quem o lembre, vejam-se os artigos publicados no Observador por José Bianchi "PCP: um partido de funcionários políticos" e por Paulo Tunhas "Uma introdução ao marxismo-leninismo" ou ainda o excelente artigo de Clara Ferreira Alves no Expresso "Anticomunista, obrigada!"

Paris 2015-11-13

Mais uma batalha da III Guerra Mundial. É de uma verdadeira guerra que se trata. Diferente das anteriores, como cada uma foi diferente das outras, mas dum grau completamente distinto. Já não há trincheiras, já não há Blitzkrieg, já não há uniformes nem territórios definidos. Há terror.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

e-mail

Por vezes vejo a secção "Bom português" na RTP, mais por preguiça de mudar de canal do que por verdadeiro interesse. Mas até tenho aprendido alguma coisa, o que é útil. Quando se referem ao acordo ortográfico sinto raiva, mas o programa acaba depressa. Mas fui surpreendido quando há dias a pergunta era: Como é correcto escrever, "email" sem hífen ou "e-mail" com hífen? Fiquei baralhado, não por não saber se devia ou não pôr o hífen (que até sabia e só serviu para confirmar), mas sim por ignorar que a palavra e-mail era portuguesa e ainda por cima em bom português. Eu, na minha ignorância, pensava que em português correcto se devia dizer "correio electrónico", que se poderia abreviar para "correio-el" e só se usava "e-mail" por simplicidade, como acontece com muitos estrangeirismos. Mas, se "e-mail" é português e do bom, fiquei foi sem saber afinal como se diz "e-mail" em inglês.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Privatização da TAP

Segundo noticiou o Expresso às 23h04', terminou a assinatura do contrato de venda da TAP. A TAP voltou a ser privada (pela 2.ª vez na sua história). Quem deve estar horrorizada é a D. Helena Roseta, que pensa que deste modo não será possível contar com a TAP para, em caso de emergência, ser chamada a prestar serviços extraordinários, como por exemplo fazer uma ponte aérea para evacuação de locais afectados por catástrofes. Coitados dos países que não têm uma companhia aérea nacionalizada, sujeitos a estes perigos.

Mário vs. Álvaro

Assisti ontem a parte de duas entrevistas. Não pude seguir nenhuma na totalidade por terem coincidido em parte no horário. Mas o que vi foi suficiente para comparar duas maneiras de estar na política, dois modos de expor as suas ideias e duas medidas da clareza dessas ideias. Na RTP3, Vítor Gonçalves entrevistou Mário Centeno das 22:30 às 23:30. Na SIC-Notícias, José Gomes Ferreira entrevistou Álvaro Santos Pereira. Que diferença! Enquanto Centeno mostrou dificuldade em explicar as suas opções financeiras, ou melhor, as opções financeiras que foi obrigado a engolir depois das cedências do PS aos partidos de extrema-esquerda que se ofereceram para dar algum apoio parlamentar no caso de o PS vir a formar governo, falou de modo pouco estruturado, não respondeu claramente a algumas das questões que Vítor Gonçalves, com grande profissionalismo lhe colocou,repetiu alguns chavões e não soube explicar claramente as soluções que encontrou para poder suportar os gastos que as alterações ao programa acordadas acarretarão, Santos Pereira foi rigoroso, claro e incisivo nas suas respostas, não se furtando mesmo a responder a algumas questões um pouco provocatórias de Gomes Ferreira sobre a sua saída do Governo e a opinião sobre a política económica seguida depois de já ter cessado funções.

A impressão com que fiquei é que Santos Pereira foi um ministro com ideias claras e com capacidade de realização, enquanto Centeno pode vir a ser um executor fiel, mas que se acomoda sem resistência a políticas que não são a sua opção própria. Confirmei os receios que já tinha sobre a impossibilidade de conciliar o fim da austeridade com os compromissos de Portugal para com a União Europeia e o euro. A ideia de manter uma rota de consolidação orçamental mas de modo mais lento pode ser benéfica, não tenho conhecimentos de economia suficientes para o discutir, mas Centeno não me conseguiu convencer.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Ministeriáveis

Os nomes apontados por alguma informação para os possíveis ministeriáveis de um eventual governo do PS, que alegadamente já estarão na cabeça de António Costa, são aterradores. Na minha opinião são na sua maioria ainda mais insignificantes do que o próprio António Costa.

2 acordos mínimos e 1 desacordo

Há um facto que me parece extremamente importante e perturbador e que toda a informação que ouvi e vi esta tarde (de Terça-feira) nas diversas televisões não refere. Apenas o Observador o cita. É que. ao contrário do que tem sido comentado, o acordo PS-PCP, contrariamente aos acordos PS-PEV e PS-BE, exclui expressamente qualquer entendimento sobre "as condições para a concretização" de medidas tão importantes como a "reposição dos salários dos trabalhadores da Administração Pública; a reposição do horário de trabalho de 35 horas ...; ... a eliminação da sobretaxa do IRS; o aumento de escalões e a progressividade do IRS; ... as taxas moderadoras" e muitas outras. Não se tendo "verificado acordo" entre o PS e o PCP na concretização destas medidas, adivinham-se tempos difíceis para Costa quando estes assuntos forem tratados. Que os politólogos e comentadores não citem esta circunstância só pode ter duas explicações: ou ainda não tiveram tempo de lerem os textos dos acordos, que estão há horas disponíveis na net, ou andam tão distraídos que não deram pela gravidade da situação.

domingo, 8 de novembro de 2015

O futuro de António Costa é causa de preocupação

Diz que "o acordo à esquerda está fechado" ("o acordo"?? Não será antes "os acordos"???). Isto significa que Costa aceita as condições impostas pelo BE e pelo PCP nas condições em que estes se dignaram apresentá-las. Está portanto decidido a apresentar uma moção de rejeição autónoma do programa do Governo PSD/CDS. Presume-se que os 2 partidos de extrema-esquerda apresentarão também cada um a sua moção. É quase certo que alguma das 3 moções terá os votos necessários para derrubar o Governo (Claro que pode acontecer que cada partido se recuse a votar favoravelmente as moções dos outros por não concordar com os considerandos, mas mesmo neste caso pouco provável, o Governo de Passos não deve escapar pois deve ser possível os partidos combinarem-se para redigir uma moção conjunta que seja aceitável por todos). Se o Presidente Cavaco as julgar aceitáveis e consistentes e o indigitar para formar governo, Costa conseguirá finalmente ter o desejado título de Primeiro-Ministro e começará a governar, refém da extrema-esquerda. O poder do PS é mínimo. Se tiver necessidade de legislar medidas extraordinárias para manter a execução orçamental dentro dos limites impostos, corre o risco de ver os parceiros votarem contra e não é certo que conte com a complacência do PSD e do CDS depois da partida que lhes pregou.

O que me preocupa é que Costa, se o Governo cair, não terá condições para continuar como Secretário-geral do PS e, como não tem qualquer profissão que não seja político, pode ficar no desemprego. Se for esperto, fará votar logo uma lei que dê um bom subsídio de desemprego aos políticos desempregados.

sábado, 7 de novembro de 2015

Notícias sobre o acordo das esquerdas 2

Finalmente há notícias sobre o acordo ou sobre os acordos, só que não sabemos o que significam.

O acordo com o BE está fechado, disse Catarina e confirmou Costa. Mas está, por enquanto no segredo dos deuses. É natural, o que já parece menos natural é que não se saiba se está ou será passado a papel, se além de António Costa e da sua equipa de negociadores alguém o conhece ou só hoje será apreciado pelos órgãos superiores do PS.

O acordo com o PCP está igualmente fechado, mas só no que se refere às matérias técnicas ou partes programáticas, conforme as versões, faltando "apenas" o acordo político. As opiniões sobre o significado desta separação entre "técnico" e "político" dividem-se: Para uns, o acordo político que falta refere-se à validade do acordo para os 4 anos da legislatura, para outros é a aprovação pelo Comité Central do PCP, havendo ainda outras versões. Mas não se percebe bem se matérias técnicas ou programáticas dum acordo entre dois partidos políticos para assegurar um governo não são essencialmente políticas. E ainda ninguém disse se o o PCP concordou, ao contrário do que constou, em passar o acordo a forma escrita e assinada. Terá algum significado a ausência de Centeno nas últimas reuniões PS-PCP?

Parece que os Verdes também querem fazer um acordo separado, mas, como só tem 2 deputados, o seu apoio a um eventual governo PS é dispensável.

Com todas estas incertezas, mais incerto é ainda que juízo poderá o Presidente da República fazer da consistência dos acordos. Tudo é ainda possível.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O estranho caso do golpe de secretaria

Isabel Moreira revoltou-se contra Paulo Portas por este ter opinado que um eventual acordo como resultado das conversações entre o PS e os partidos à sua esquerda seria "um golpe de secretaria". Está no seu direito. Como disse um recém-empossado ministro, trata-se apenas de combate político. No entanto, não me parece que Isabel Moreira tenha razão na sua revolta e muito menos em falar de "extremismo anti-democrático". O combate político não pode dar razão aos dois lados combatentes. A revolta de Isabel Moreira e a sua acusação resultam de pensar que Paulo Portas estaria a pôr a Assembleia da República na categoria de uma secretaria. Ora, manifestamente não foi o caso. As reuniões do PS com o BE e com o PCP não foram reuniões parlamentares, não se deram nem no plenário nem em comissões da Assembleia da República, não foram públicas, nem foram divulgadas actas dessas reuniões. Foram, portanto, encontros particulares e informais, pelo que compará-los a reuniões de secretaria não é ofensivo para com a AR. Quanto a serem apelidados por Portas de "golpe", é uma opinião que, justa ou injusta, é partilhada por muita gente e parece que não foi isso que ofendeu Isabel Moreira. Já acusar Portas de "extremismo anti-democrático" deve decorrer de considerar que comparar a AR, casa da democracia, a uma secretaria é extremamente grave, mas enferma do mesmo equívoco, já que as reuniões não tiveram lugar no AR (mesmo que tivessem sido fisicamente na AR, não foram reuniões parlamentares normais). Chamar a Paulo Portas "secretário" por oposição a ela própria, que se orgulha de ter se uma deputada eleita pelo povo, não tem pois qualquer sentido já que também Paulo Portas foi eleito pelo povo.

sábado, 31 de outubro de 2015

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Haverá acordo? Será durável?

Na entrevista que Jerónimo de Sousa acaba de dar na SIC a Ana Lourenço, o Secretário-Geral do PCP não voltou a falar em "reuniões inconclusivas". Mas as suas respostas e o modo como fugiu a responder claramente a algumas questões, obrigando Ana Lourenço a alguma ginástica para lhe arrancar respostas minimamente informativas, leva-nos à conclusão de que mesmo que venha a ser celebrado um acordo PS-PCP (o acordo com o BE não parece oferecer problemas idênticos) será um arranjo que não assegura seriamente o apoio do PCP. Mais uma vez, Jerónimo afirmou que o PCP, por princípio e por respeito com o seu compromisso eleitoral, no Parlamento votará a favor do que for positivo para o povo e para os trabalhadores e votará contra tudo o que for negativo. A conclusão que se tira da sua atitude durante toda a entrevista é que o PCP faz questão de que o acordo respeite as suas exigências, nomeadamente a devolução aos funcionários públicos e aos pensionistas do que lhe foi "roubado". Se estas exigências fizerem perigar o respeito pelas metas do défice, o PS que encontre modo de lhe dar a volta, o PCP, que nem concorda com o Tratado Orçamental, não se compromete a desistir do que considera necessário ou a estudar o modo de compensar a despesa ou perda de receita extra. Este raciocínio foi claramente definido, embora não por estas palavras.

Haverá acordo?

O PS comprometeu-se a divulgar os termos do acordo com os partidos de esquerda quando da discussão da sua moção de rejeição do programa do Governo. Nas diversas declarações dos responsáveis do partido, nomeadamente de António Costa e de Carlos César, o acordo com o PCP é dado como certo, quase concluído, não sujeito a dúvidas, dependente apenas de finalização. Desde o início, as reuniões com o BE e com o PCP são descritas como decorrendo em bom clima e com alto grau de concordância, levando a crer que tudo aponta para uma conclusão de um acordo ou de dois acordos separados muito em breve. É com grande surpresa que ouvimos há pouco na TVI Jerónimo de Sousa dizer que as reuniões com o PS têm sido inconclusivas! Então as reuniões inconclusivas não eram para o PS apenas as que teve com "a direita"? As dúvidas que muitos já iam expressando sobre a possibilidade de um acordo que assegure o apoio do PCP a um governo do PS por toda a legislatura tinham portanto razão de ser. Se o PS conseguir concluir um acordo viável e que corresponda às necessidades de estabilidade até ao dia 10, data em que se prevê o fim da apreciação do programa do Governo na AR, será uma surpresa. Se esse eventual acordo não incluir cedências do PS às exigências do PCP que tornem impossível o cumprimento das metas exigidas pelos nossos compromissos internacionais, a surpresa será ainda maior.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Uma proposta singela

A palavra que tem sido mais usada pela comunicação social para descrever o momento político actual tem sido "impasse". Na verdade a situação está complicada, com um primeiro ministro indigitado que deve estar a tentar formar governo, sabendo que uma maioria no parlamento prometeu rejeitá-lo. Por outro lado, o partido que pode decidir esta rejeição está a tentar, conforme tem anunciado, conseguir em grande secretismo celebrar um acordo ou acordos com dois partidos de extrema esquerda, não se sabendo ainda se este acordo ou estes acordos, indispensáveis para que a rejeição seja efectiva e para que possa depois governar, são sequer possíveis. Se as diligências de Pedro Passos Coelho são completamente desconhecidas do público, os pormenores e o adiantamento das de António Costa também não são do conhecimento geral. É possível que tanto um como o outro estejam perante dificuldades nas suas missões. Hoje a comunicação social aponta aspectos prováveis da formação de um governo pela coligação PSD/CDS, mas estou convencido que são apenas especulações. Dos acordos de esquerda o que veio a público não é suficiente para se saber se a desejada (por eles) união das esquerdas é possível.

Perante este panorama, Passos Coelho poderia seguir uma via inesperada que até poderia evitar a rejeição do governo PSD/CDS e tornar assim inúteis as conversações do PS com o PCP e o BE. Esta via seria apresentar ao Presidente da República um elenco governativo em que ele próprio estivesse ausente,  cedendo o lugar de Primeiro Ministro a uma personalidade importante do PSD com experiência governativa e que não suscitasse a má vontade do PS que ele próprio suscita. Quem poderia ser essa personalidade? Já adivinharam? Pois quem proponho para chefiar um governo da coligação PàF aceitável (talvez) pela esquerda é nem mais nem menos do que Manuela Ferreira Leite. O resto do elenco governativo não teria logo qualquer importância. Esta via teria pelo menos o mérito de atrapalhar ainda mais as hostes socialistas.

sábado, 24 de outubro de 2015

O regresso do animal feroz

Que pretende Sócrates? Apenas defender-se ou tem outras ambições. Levou uma hora a defender-se, aliás alegando que todo o mal que a justiça lhe tem feito é ilegal e inconstitucional, o que deixa muito mal vistos os seus advogados que nunca o conseguiram defender dessas ilegalidades. Parece portanto que o colóquio que convocou tinha como finalidade apenas defender-se. Mas no fim abordou o momento político actual e salientou que está na posse plena dos seus direitos políticos e que não abdica deles. Que pretende, afinal?

Todos perguntam pelo papelinho

A esperteza de António Costa não foi suficiente para disfarçar o que já toda a gente notou e sobre a qual quase toda a gente já falou: o Secretário-Geral do PS pretendia ser indigitado e empossado como Primeiro-Ministro com base dum acordo que ainda não existe. Na notável entrevista que Judite Sousa fez à pouco a Jerónimo de Sousa, ficou bem patente que não faltam apenas questões de pormenor para passar a papel e assinar um acordo que assegure a estabilidade para a legislatura. Judite não deixou que Jerónimo fugisse à questão e este acabou por reafirmar o que já tinha dito, mas ninguém comentou: O PCP está de acordo em não votar qualquer moção de rejeição dum programa de governo que o PS proponha à AR e poderá viabilizar o orçamento para 2016, mas não abdica da possibilidade de votar contra qualquer iniciativa que venha a ser proposta pelo PS e que considere ser contra os interesses dos trabalhadores e do povo português segundo os seus critérios.

Além disso, mesmo que venha a ser concluído o tal acordo PS/PCP/BE, o que não é certo, se este ainda não estiver assinado no momento da votação das moções ou da moção do BE e do PCP para rejeição do programa do governo de Passos Coelho, António Costa não poderá votá-las sem ir frontalmente contra o que prometeu: não rejeitar um governo sem ter um governo alternativo para apresentar.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Esquerda? Não volver!

Até parece que Cavaco Silva é leitor do meu blog (um dos poucos) e concordou com a minha teoria de que a fractura política principal já não passa entre esquerda e direita, mas que "verifica-se que a grande fractura não se situa entre esquerda e direita, mas sim entre moderados e esquerdistas". Talvez os termos não tenham sido bem escolhidos, mas não encontrei outro modo para descrever por palavras simples os dois grupos em confronto: dum lado os que aceitam uma economia de mercado, a troca livre de bens e a propriedade privada dos meios de produção, do outro lado os que querem, uma economia planificada, a limitação da livre troca de bens e a apropriação colectiva dos meios de produção, ou pelo menos dos estratégicos, se necessário por meios violentos. Pode-se ser de esquerda e pertencer ao primeiro grupo, pode-se ser socialista e ser-se moderado, defendendo um Estado interveniente, mas não totalitário, a detenção pelo Estado de algumas empresas, sem limitar a iniciativa privada, a economia de mercado, com algumas medidas reguladoras. Pode-se ser de esquerda e defender um estado de direito, repudiando a apropriação violente de meios de produção. Aos que não se integram neste grupo chamei esquerdistas. Poderia, talvez com mais propriedade, tê-los designado por extremistas ou totalitaristas de esquerda. De qualquer modo, actualmente em Portugal parece que a grande fractura está, como defendi, entre o PS, por um lado, e o PCP e o BE, por outro. Segundo este critério, o PS encontra-se do ledo dos moderados, com o PSD e o CDS, embora sendo, sem dúvida, um partido de esquerda, ao contrário dos outros dois.

Voltando ao princípio, Cavaco Silva, no seu discurso de indigitação de Passos Coelho para Primeiro-Ministro, colocou a fractura exactamente no local onde eu defendi. E condenou, logicamente, soluções de governo com ligações sobre esta fractura, considerando-as inconsequentes.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Esquerda, volver! Marcar passo! (3)

O célebre acordo PS/PCP/BE, o tal que ainda não existe, pelo menos em forma acabada, aceite pelas partes e passada a escrito, continua a ser uma grande incógnita. O Presidente Cavaco Silva certamente não deverá indigitar António Costa para o cargo de Primeiro-Ministro sem ter em sua posse o texto do acordo e ter apreciado a sua segurança para permitir a estabilidade que tem exigido repetidamente. Mesmo depois de uma experiência de um governo da coligação PàF e da eventual rejeição deste pela AR, o Presidente deve assegurar-se da fiabilidade do acordo antes de tomar novos passos. Mais um argumento para a necessidade destas cautelas por parte do PR foi dado esta manhã pelo Secretário-Geral do PCP ao referir-se à solução governamental PS/PCP/BE como "uma solução duradoura, tanto ou mais duradoura quanto defenda os interesses nacionais". Para bom entendedor isto significa a contrario que se houver, da parte do PS, algum acto legislativo que, no entender do PCP, não defenda os interesses nacionais, a durabilidade da solução poderá estar em causa. Ora é sabido como a noção dos interesses nacionais dos comunistas difere da do Partido Socialista. Se a redacção final do acordo não contrariar a ideia deixada por Jerónimo de Sousa sem ambiguidade, é legítimo desconfiar da estabilidade do governo de esquerda que poderá resultar se Cavaco seguir a pretensão de António Costa.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Esquerda, volver! Marcar passo! (2)

A distância entre "julgar que estão criadas as condições" para ter um acordo que permita uma maioria (como disse António Costa depois de falar com o PR) e ter mesmo esse acordo firmado pode ser melhor avaliada tendo em atenção o que disse mais tarde Carlos César: "o acordo, a ser assinado, como espero... ". Portanto o acordo é apenas uma esperança, como era de suspeitar. Se António Costa pensa que pode pedir a indigitação directa ao Presidente da República com base numa esperança, é mais um dos erros profundos que comete desde ter derrubado António José Seguro. Também Pedro Nuno Santos, respondendo à pergunta do jornalista sobre se chegar ao acordo "é pacífico", disse pouco depois simplesmente: "Estamos a trabalhar sobre isso."

Acredito que é provável que o PS chegue a firmar o tal acordo com o PCP e o BE, mas querer fazer crer que o acordo já é uma realidade é desonesto. Pedir a indigitação com base nessa probabilidade ou nessa esperança é uma bravata.

Esquerda, volver! Marcar passo!

Não, ainda não é "Em frente, marche!" Parece inevitável a viragem histórica à esquerda, mas, apesar de declarações propositadamente enganosas, nada está definitivo. Daí o País estar virado para a esquerda, mas ainda a marcar passo, ou, como dizem os brasileiros, em "faz que anda, mas não anda". A acreditar nos jornalistas, António Costa conseguiu um acordo com os partidos à sua esquerda, BE e PCP (não vale a pena falar nos Verdes) e comunicou ao Presidente da República que iria votar favoravelmente qualquer moção de rejeição do Governo que Passos Coelho, se vier a ser indigitado, apresente na AR, porque já tem alternativa para um governo estável com maioria parlamentar. Ainda agora ouvi António Costa (jornalista) falar no acordo como coisa já conseguida e outros jornalistas têm ido pelo mesmo caminho. Ora o que António Costa (político) disse à saída da reunião com o PR foi que "julgava que estão criadas as condições para que o PS possa apresentar na AR um governo com apoio parlamentar maioritário". Uma coisa é julgar que as condições estão criadas, outra muito diferente é ter já um acordo fechado com as forças que têm de assegurar esse apoio. António Costa (o político, sempre que nada indicado em contrário) várias vezes repetiu esta afirmação com ligeiras variantes e nunca se referiu a um acordo já conseguido, assinado e fechado. Ao evitar propositadamente a palavra "acordo", já que não podia afirmar a sua existência, António Costa procurou enganar os portugueses com o seu "estão criadas as condições". Catarina Martins foi mais honesta ou mais ingénua e, apertada com perguntas pelos jornalistas à saída de Belém, admitiu que não há qualquer acordo aceite e escrito, mas acrescentou que, pelo lado do BE, todas as divergências com o PS foram aplanadas e o acto de passar o resultado das conversações para o papel será fácil e rápido. Veremos se será assim e veremos também se com o PCP as coisas serão também tão fáceis.

Ora o Presidente Cavaco Silva não é parvo e é evidente que não se deixou enganar. Sabe perfeitamente que não há ainda qualquer acordo firmado, apenas condições para que esse acordo seja proximamente celebrado. Por outro lado, o PR não quererá, certamente, ficar com a responsabilidade de ser ele a indigitar um PM que pretende dar parte do poder aos comunistas, pelo menos sem antes indigitar quem ganhou as eleições. Se António Costa resolveu dar-lhes este presente, para atingir o seu maior desejo de ser Primeiro-Ministro, deve ser ele a assumir a sua responsabilidade, renegando o passado do PS de resistência ao avanço do comunismo.

A designação de um governo dependente do apoio do PCP e do BE é legal, é legítima, não viola a constituição nem qualquer lei. A questão está nas políticas defendidas pelos partidos cujo apoio activo é indispensável e que porão certamente as suas condições. Apoio activo porque em todas as questões a que o PSD e o CDS se oponham, não basta a abstenção do PCP e do BE; é necessário o voto favorável de ambos. É muito duvidosa a estabilidade de um governo nestas condições.

Os comunistas defendem ideias que, nos países onde foram postas em prática, provocaram pobreza, servidão e infelicidade. Historicamente, as alianças com comunistas foram sempre dramáticas para os parceiros dessas alianças. As frentes populares não contribuíram para a paz nem para o bem-estar dos povos. Bem sei que do que se trata no nosso caso actual é apenas de um apoio parlamentar negociado, mas mesmo assim todo o cuidado é pouco. A pouca confiança que os portugueses conferem ao PCP corresponde aos fracos resultados eleitorais que tem conseguido.

domingo, 18 de outubro de 2015

Desonestidade

Lido n'O Insurgente:

«É intelectualmente desonesto fazer uma leitura dos resultados das eleições dizendo que “60% rejeitaram o programa de direita” mas não fazer a leitura que 70% rejeitaram o programa do PS e 80% rejeitaram os programas do BE e PCP.»

É mesmo assim.

Ainda tem sentido falar de esquerda e de direita?

Já defendi a ideia de que as noções de esquerda e direita em política deixaram de fazer sentido. Hoje já não penso assim, embora reconheça de que além de esquerda e direita há outras dimensões a ter em conta, por exemplo democracia ou ditadura. Deste modo, se quisermos classificar os partidos e outras entidades, como movimentos e associações, numa escala que vá de extrema direita a extrema esquerda, passando por direita moderada, centro-direita, centro, centro-esquerda e esquerda moderada, teremos sérias dificuldades principalmente em tentar definir o que representa a moderação. Parece mais correcto adoptar não uma escala que corresponda geometricamente a um segmento de recta, mas sim a um conjunto de dois eixos, um correspondente à dualidade esquerda-direita conforme a organização económica se afaste ou se aproxime duma economia de mercado, sendo o outro eixo correspondente ao grau de liberdade, desde o liberalismo extremo até ao dirigismo completo, ou, melhor, ao grau de democracia, desde a democracia representativa por voto universal até à ditadura feroz. Os diferentes partidos e outras estruturas políticas poderão ser colocados no plano definido por estes dois eixos. Será um exercício interessante aplicar esse sistema à actual situação política portuguesa classificando os partidos nessa plano.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Esquerda, volver! Até onde?

A fractura principal que se verifica na política portuguesa não se encontra entre a esquerda e a direita, mas está situada entre o conjunto de partidos e movimentos que aceitam os princípios democráticos da economia de mercado, da defesa da propriedade privada e das regras da democracia representativa e os que recusam estes princípios, segundo defendi anteriormente. Mas aparentemente até há por vezes fracturas no interior dos partidos ou de movimentos, como parece acontecer actualmente no PS, em que uma ala esquerda se sente tentada a aceitar acordos com o PCP e com o BE ao mesmo tempo que outras sensibilidades no interior do partido os recusam, seja por convicção em princípios, seja por simples estratégia. Essa fractura é evidente e tem sido ultimamente objecto de discórdia, agora que o secretário geral do PS hesita entre procurar apoio à esquerda ou suportar o centro-direita. Segundo o meu ponto de vista, a hipótese de o PS procurar chefiar um governo de esquerda combinando um qualquer tipo de apoios com o PCP e com o BE tem o problema de se basear na disponibilidade destes partidos para se aliarem ao PS para todas as decisões que contarem com o voto contra da coligação PSD/CDS, e essa aliança terá de tomar a forma de foto a favor de ambas as forças de extrema esquerda, não bastando a abstenção. Ora o PCP já fez saber que, após viabilizar um programa de governo do PS, só votará as matérias com que concordar. Conhecendo o programa e as ideias do PCP, é evidente que as matérias que podem ser defendidas simultaneamente pelo PCP e pelo PS são muito poucas. Quanto ao BE começou logo por indicar alguns pontos que quer ver incluídos no programa dum governo do PS para lhe dar apoio. É a fractura a funcionar, o que levará a curto prazo à impossibilidade de tomar decisões. Um tal governo terá necessariamente vida curta e corresponde a um desaire do PS que influenciará o futuro do partido.

domingo, 11 de outubro de 2015

Esquerda, volver! Mas que esquerda?

A fractura entre esquerda e direita ainda tem sentido? Claro que tem, embora nem sempre seja fácil classificar os partidos dentro desta dualidade. Esta classificação está aliás sujeita a uma considerável subjectividade, ela própria influenciada pela situação, mais à esquerda ou mais à direita do classificador. Veja-se, por exemplo, que as pessoas que simpatizam com a coligação PSD/CDS costumam considerá-la de centro-direita, enquanto que dos socialistas para a esquerda todos a classificam como direita. Mas apesar de se reconhecer que há partidos mais à direita e outros mais à esquerda, nem sempre a fractura passa pelo centro, porque há outras dimensões. No actual espectro português, se se examinarem com cuidado os programas eleitorais e o posicionamento de cada entidade com base não só nos programas mais ainda nas declarações e actos dos respectivos actores, verifica-se que a grande fractura não se situa entre esquerda e direita, mas sim entre moderados e esquerdistas. De facto, há mais afinidades entre o PSD e o PS do que entre este e o PCP e o BE. E para o demonstrar não é necessário recorrer a posição perante tratados, o euro ou a Europa. Estas entidades são ocasionais e o modo como os partidos se posicionam perante elas depende da sua opção política anterior. A diferença está mais entre a aceitação de uma economia de mercado, da defesa da propriedade privada e das regras da democracia representativa e a sua recusa. O socialismo democrático moderno não pressupõe a necessidade, nem sequer a vantagem, de manter uma tutela apertada da economia pelo estado, embora defenda um sector público importante, não estrangula a iniciativa privada, embora tenda a manter um estado social forte, e principalmente defende o estado democrático. Aproxima-se, portanto, mais dos partidos considerados de direita ou de centro-direita do que dos outros partidos de esquerda. Os partidos de inspiração comunista, onde se inclui claramente o BE, propõem, por outro lado, a apropriação pelo estado dos sectores estratégicos e do poder económico, seja essa apropriação, se necessário, por meios violentos, embora a sua propaganda, mormente em tempos de aproximação de eleições, esconda estes princípios. Embora se tenham adaptado bem aos regimes democráticos, a história ensina que, uma vez no poder, adoptam modos de governação ditatoriais. A principal fractura política não passa portanto entre esquerda e direita, com o PS, o PCP e o BE dum lado e o PSD e o CDS do outro; a fractura actualmente situa-se entre os partidos que defendem uma economia de mercado e os que preferem uma economia planificada. Antes do aparecimento de esquerdas que não se apresentam como comunistas, era possível afirmar que a fractura passava entre os partidos democráticos e os não democráticos. Mas a existência do BE (e eventualmente de outros recém-vindos) não permite manter essa divisão, já que o BE não manifestou ainda tendências anti-democráticas, nem defendeu, que eu saiba, a ditadura do proletariado como modo de instaurar o socialismo,mas no resto ideias semelhantes às do PCP.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Liberdade de voto

Não sei se a autoria da designação de "liberdade de voto" para a ausência de apoio ou de indicação explícita de voto num determinado candidato nas próximas eleições presidenciais é da comunicação social ou de alguma autoridade de um partido. Só sei que todos os órgãos de comunicação começaram a dizer que tanto os partidos da coligação PàF como o PS tinham dado liberdade de voto para essa eleição que se aproxima. Ora, mesmo que se refiram apenas aos militantes dos partidos, e ainda menos se se pretendiam referir-se ao eleitorado em geral, essa afirmação não faz sentido. A chamada liberdade de voto tem sentido quando se refere a um grupo de votantes restrito e sujeito, em princípio, a uma disciplina de voto. No caso de uma eleição geral, como as legislativas, as regionais e as presidenciais, todo o eleitorado é constituído por todos os cidadãos com certas condições, como limites de idade ou outras, mas o voto é sempre livre e em consciência e não se pode impor qualquer regra mesmo a militantes, funcionários ou outras categorias. Portanto há sempre forçosamente liberdade de voto. Não há nem pode haver legalmente nem na prática restrições a essa liberdade, até porque o voto é secreto. Os partidos apenas podem apoiar uma ou várias candidaturas ou recomendar o voto, nunca limitar a liberdade. Portanto também não a podem dar.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Rescaldo das legislativas

Há alturas em que um cómico diz verdades profundas (como acontecia já em tempos remotos com os bobos). Desta vez foi Ricardo Araújo Pereira que demonstrou que nas legislativas de ontem todos os partidos ganharam: A coligação ganhou porque ficou em primeiro lugar, o PS ganhou porque conseguiu tirar a maioria absoluta à coligação, o BE ganhou porque ultrapassou o PCP e o PCP ganhou porque ganha sempre... a sério: porque aumentou a representação parlamentar em 1 deputado e aumentou em número de votos e em percentagem. Depois, o mesmo humorista mostrou com a mesma clareza que todos tinham perdido e que, afinal, todos tinham empatado. Fora de brincadeiras, mantenho o que disse ontem sobre a vitória da coligação. Como afirma Miguel Esteves Cardoso no Público, "Ganhar é fácil de definir: é quem fica à frente. Quem ganhou as eleições de ontem foi a coligação que nos governa. Se tem ou não maioria absoluta (mais deputados do que todos os outros juntos) é secundário." Parece-me uma verdade evidente. É o critério que usamos diariamente na prática: Numa corrida, o vencedor é quem chega primeiro à meta. Não interessa quantos chegam depois, com que atraso cortam a meta nem quem são. Em concursos e eleições passa-se o mesmo: o vitorioso de vários candidatos é que tem mais votos, tenham os outros o que tiverem, mesmo que o número de votos dos outros candidatos somado ultrapasse o do vencedor. No caso dum parlamento ou de outras assembleias em que há decisões que são votadas por todos, isto não significa que quem ganha sem maioria absoluta tenha a mesma possibilidade de decidir livremente, mas lá por isso não podemos dizer que não ganhou.

Outra afirmação minha de ontem foi sobre o discurso de Passos Coelho. Disse que foi um grande discurso. Direi mesmo que foi notável. Não procurou disfarçar o facto de não ter atingido o objectivo de uma maioria absoluta, embora não lhe quisesse chamar assim. Pelo contrário, definiu a situação de forma exacta e tirou logo as consequências.

Por fim, afirmei que houve uma clarificação da posição do PS. António Costa teve o cuidado de afastar a possibilidade de inviabilizar um governo da coligação para poder formar um governo de esquerda apoiado na CDU e no BE. Mesmo que a liderança de António Costa venha a ser posta em causa, não vejo que o PS sob outra chefia possa tomar essa opção e ainda menos concretizá-la.

A minha sensação foi, portanto, de alívio. Como Passos afirmou, é indispensável uma negociação com o PS, não só para formar um governo viável, mas também de forma contínua para a aprovação das decisões de governação. Será difícil? Claro que sim. Haverá instabilidade? Possivelmente. Não será possível completar a legislatura, tendo o governo da coligação uma vida curta? Talvez. Mas um possível governo "de esquerda" do PS com apoio, qualquer que fosse a forma de concretizar esse apoio, do PCP e do BE será mais fácil, mais estável e mais durável? É altamente duvidoso.

Legislativas

Vitória da coligação, sem maioria absoluta mas vitória expressiva. Grande discurso de Passos Coelho. Clarificação da posição do PS perante um Governo da coligação. Alívio!

sábado, 3 de outubro de 2015

Desemprego, empobrecimento, dívida pública, emigração e inércia

Há um princípio fundamental da Física que se aplica a muitos domínios para além da Física, mas que é mal compreendido pela maioria das pessoas, até por alguns físicos. É o princípio da inércia. Na prática é difícil de compreender que qualquer corpo em movimento seguirá movendo-se se nenhuma força se exercer sobre ele. Pois se eu quero que o meu automóvel continue a andar numa estrada plana, terei de manter o pé no acelerador. Se eu der um valente pontapé numa bola, ela acabará por parar sem que eu veja nenhuma força a forçá-la a deixar de rebolar pelo chão fora. Forças como o atrito ou a resistência do ar não são intuitivos. Daí que o fenómeno da inércia não seja bem compreendido. Mas quando o tempo começa a arrefecer, como agora no Outono, a minha casa mantém uma temperatura agradável durante alguns dias quando lá fora já está mais fresco. Até a nível planetário se observa o fenómeno do retardamento da alteração da temperatura após os solistícios. O Verão começa cerca de 21 de Junho, mas o pico do calor dá-se em Agosto. Do mesmo modo, o solistício do Inverno é à roda de 21 de Setembro, que é o dia mais curto do ano, mas o mês mais frio é Dezembro. É a chamada inércia térmica. A inércia provoca portanto um desfasamento entre a  causa e o efeito, um retardamento do efeito em relação à causa.

O conceito de inércia aplicado ao campo da macroeconomia é mal compreendido pela generalidade das pessoas. Daí que os governos sejam frequentemente louvados ou castigados pelos efeitos ao retardador de decisões tomadas pelos governos anteriores. No caso concreto da situação portuguesa, quem olha para as curvas do desemprego, para as variações do PIB, para a variação da dívida pública e para outros fenómenos relacionados com a crise culpa frequentemente o governo em funções nesse momento. De modo inverso, um governo pode ser considerado mais eficaz por aproveitar dos efeitos de estímulos positivos de governos anteriores.

Claro que esta longa introdução tem por fim ilustrar o engano em que muitas pessoas caem e que alguns políticos aproveitam sobre a situação actual em Portugal. O governo de Sócrates criou todas as condições para uma crise económica, gastando demais, investindo em projectos não rentáveis e promovendo o endividamento. A crise internacional ajudou e veio tornar inevitável o pedido de ajuda que Sócrates não queria e a que só tarde recorreu por já não haver outra solução. Os efeitos da situação catastrófica do País e das duras condições negociadas com a troika para podermos aceder a um empréstimo indispensável só se tornaram evidentes mais tarde, já durante o governo seguinte (o ainda actual). E estes efeitos foram profundos e duráveis. Daí que uma observação descuidada possa concluir que, como durante o governo de Sócrates havia dinheiro a circular em quantidade, o desemprego era mais reduzido, os funcionários públicos e os pensionistas ganhavam mais e os impostos eram mais baixos, entre outros aspectos, ao passo que durante o governo de Passos Coelho, durante mais de 2 anos, o desemprego aumentou muito, os salários e as pensões sofreram cortes e os impostos tiveram um aumento colossal, o governo de Sócrates era bom e o actual governo é mau. Que muita gente pense assim, é natural, porque o efeito da inércia e do desfasamento entre causa e efeito nunca foi bem explicado. Já que haja políticos e economistas que apregoam estas conclusões é menos aceitável e é de admitir que o façam para enganar o público sabendo que não têm razão. Se não é um truque para enganar e pensam que têm razão, então é forçoso concluir que não têm as qualidades e a experiência mínimas para poder governar, caso contrário o que lhes falta é a idoneidade necessária para cargos de governo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Uma análise desassombrada

A análise da situação política actual perante a aproximação das eleições apresentada por Pedro Magalhães no seu blog Pedro Magalhães - Political Scientist é de uma clareza e de uma profundidade que nos permite ver claro sobre o que se está a passar, os resultados das sondagens, a evolução dos indicadores económicos e as suas consequências e, como o próprio diz, "uma história possível sobre esta legislatura". Sob a forma de perguntas e respostas, apoiada por gráficos (de que indica as fontes), é de leitura obrigatória para quem se interessa de saber mais do que os mexericos e análises superficiais de estratégias políticas dos actores da cena nacional.

sábado, 26 de setembro de 2015

A estocada final

Teixeira dos Santos considera que as políticas previstas no programa do PS “são arriscadas". É a estocada final numa candidatura que há pouco tempo parecia vencedora. Mas as causas da queda contínua não são apenas do programa do PS (nem das contas de Centeno); a exibição de António Costa, com hesitações, acusações não fundamentadas, discursos vazios e exibição de saltinhos também ajudaram.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Quotas, divergências e números

A informação sobre as decisões tomadas hoje pelos ministros do interior reunidos em Bruxelas são contraditórias. Ouvi diferentes jornalistas afirmar que tinham sido definidas quotas obrigatórias enquanto outros disseram que eram facultativas, ouvi que os países que votaram contra a decisão final foram a República Checa, a Eslováquia, a Hungria e a Roménia, mas pelo menos um jornalista acrescentou-lhes a Polónia, que parece, segundo outros, ter afinal votado a favor. Não se sabe se os países que votaram contra se recusam em absoluto a aceitar refugiados ou se apenas querem serem eles a fixar o número de migrantes que podem aceitar. Sobretudo não veio a público qualquer informação de como será seleccionado o contingente de cada país e como se obrigarão os refugiados a fixarem-se nos diferentes países, principalmente se se terá em conta as preferências dos próprios ou não. Também não se sabe se depois de colocados em cada país os refugiados terão liberdade de se deslocarem no espaço europeu ou no espaço Schengen. A terem essa liberdade, a fixação de quotas perde qualquer significado. Esperemos que a reunião de chefes de estado e de governo de amanhã esclareça estas dúvidas.

O que é preocupante é, numa questão tão importante que tem a ver com a soberania dos estados, não ter havido consenso.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Lições das eleições na Grécia

Confesso que fiquei um pouco admirado pelos resultados das eleições na Grécia. Em primeiro lugar, não esperava que a cisão do Syriza provocasse tão poucos danos na aceitação do partido pelos eleitores. Mais a mais, tendo Tsipras aceitado, é certo que sob pressão, um acordo com o qual diz que não concorda, seria de esperar que os "puristas" do Syriza que abandonaram o partido, tivessem levado com eles, para o novo partido que fundaram, muitos dos que votaram pelo "não" no referendo sobre a aceitação das anteriores medidas de contenção orçamental, que correspondem à depreciativamente chamada austeridade. Afinal, o eleitorado preferiu a estabilidade, talvez precária, mas de acordo com o que conhecem, a uma aventura ainda mais esquerdista ou ao regresso aos velhos partidos desacreditados. As sondagens divulgadas eram quase unânimes em prever votações muito próximas no Syriza e na Nova Democracia, mas o resultado das eleições foi muito diferente. Suponho que o à vontade e o sorriso jovial de Tsipras tenha tido influência no desfecho.

Como já vem sendo hábito, as sondagens erraram sistematicamente. No caso do Reino Unido, o erro foi a favor da esquerda, no caso grego, foi a favor da direita. Vamos a ver se também se verificará a existência de erros nas sondagens portuguesas e para que lado será o desvio.

domingo, 20 de setembro de 2015

Respeito e consideração?

Fiquei chocado ao ouvir o Papa, ao cumprimentar o Chefe de Estado de Cuba, Raul Castro, declarar que tinha "consideração e respeito pelo seu irmão Raul". Não sou católico, mas reconheço que o chefe da Igreja Católica tem uma autoridade moral nas suas declarações e opiniões. Tem, ou melhor, deveria ter. Ter consideração e respeito por um ditador que privou durante décadas o seu povo das liberdades mais fundamentais, numa palavra, da Liberdade, não parece muito normal em quem preza a Liberdade e não contemporiza com ditadores. Claro que como Chefe de Estado, que o Papa também é, de visita a um país estrangeiro, é natural que se digam as coisas com diplomacia e delicadeza, mas há formas diplomáticas e delicadas de dizer o que se pensa ou até de o calar. Se eu tinha ainda alguma consideração e respeito pelo Papa, estou a um pequeno passo de os perder.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Novo Banco: instante zero

Leio num roda-pé da RTP-N sobre a suspensão da venda do Novo Banco: "Novo processo poderá ser lançado entre o final do ano e o início de 2016". Ora como o final do ano será às 24 horas de 31 de Dezembro e o início de 2016 às 0 horas de 1 de Janeiro e como estas horas significam rigorosamente o mesmo instante, o lançamento do novo processo de venda terá de ter lugar nesse preciso momento e terá de ser instantâneo. Será precisa muita pontaria.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Taxas moderadoras

Jerónimo de Sousa proclama a discordância do seu partido e da coligação que dirige quanto à recente alteração da lei que regula o aborto e introduziu as taxas moderadoras para o acto. Foi entusiasticamente aplaudido por um público constituído maioritariamente por velhotas. Não percebi se as palmas provinham de algum interesse próprio, mas dada a idade das espectadoras não me parece que tivessem algo a ganhar por uma eventual abolição das taxas.

sábado, 12 de setembro de 2015

Mais filhos? Mais reforma

Tenho uma grande satisfação quando encontro, e não é raro, uma opinião ou uma ideia que já tive, descrita por alguém na imprensa ou na TV. Agora li no Observador uma proposta de José Maria Tovar que corresponde ao que eu já pensei há muito, mas não me atrevi a divulgar. Julguei que a ideia não teria aceitação, para além da minha voz ser ouvida por um número muito restrito de pessoas. No seu artigo, Tovar desenvolve a ideia de que quem tem mais filhos contribuiu muito mais para o sistema de pensões e merece, por consequência, ser beneficiado quando se reforma. E fá-lo de maneira que eu não seria capaz, quanto a mim de modo magistral. Quem tem filhos merece uma reforma mais elevada. No actual sistema, até são os filhos que trabalham quem paga as pensões dos reformados. É justo que quem tem mais filhos a descontar tenha alguma vantagem e uma compensação para as despesas e o trabalho que a criação dos filhos implicaram.

Declaração de interesses: Tenho 3 filhos, todos a trabalhar arduamente e a descontar pesadamente para a Segurança Social. Se o sistema proposto por Tovar fosse adoptado, ficaria a ganhar, mas admito que este sistema possa ser aplicado apenas às pensões futuras, para que não me chamem interesseiro.

Os 50 anos do 25 de Abril

Sampaio da Nóvoa perguntou: "Que país queremos ser daqui a poucos anos nos 50 anos do 25 de Abril?" E, como 9 anos são realmente "poucos" e passam num instante, acrescentou: "É esse o debate que temos de travar." Se Nóvoa conseguir ser eleito e ainda se puder alcançar o favor dos eleitores para um segundo mandato, ainda vai a tempo de travar esse debate.

Quotas ou cotas

Discute-se muito nos últimos dias a questão do estabelecimento de quotas (em geral referidas com o "cotas", mas eu prefiro a palavra quotas, para não confundir com as cotas de malha dos antigos guerreiros) por país para distribuição dos refugiados que estão a afluir em grande número e a ritmo crescente à Europa. Alguns são a favor e consideram necessário que as quotas sejam obrigatórias, outros são contra. Segundo as notícias mais recentes, vários países, entre eles os do grupo de Visegrado (Polónia, República Checa, Eslováquia e Hungria), e ainda a Roménia, a Dinamarca e a Finlândia, recusam a imposição de quotas obrigatórias, embora pelo menos alguns destes se disponham a receber refugiados, mas a título voluntário e em número definido pelos próprios. No próximo dia 14, esta questão será discutida numa reunião dos ministros do interior da UE e só depois se saberá se a questão das quotas avançará e se estas serão obrigatórias ou indicativas.

De qualquer modo, nada foi dito ainda sobre o modo concreto de distribuir os refugiados pelos diversos países. Que critérios serão adoptados? Como serão seleccionados os refugiados destinados a cada país? A preferência dos refugiados terá algum peso? E se as escolhas dos migrantes não coincidirem com as quotas determinadas? Sabe-se que a grande maioria dos migrantes declararam, por vezes aos gritos e em coro, que queriam ir para a Alemanha. Outros atravessaram a Dinamarca com a finalidade de se fixarem na Suécia, que, ao que declararam, e parecem bem informados, oferece melhores condições. Há ainda o caso particular do Reino Unido, que não aderiu a Schengen, mas também se dispões a receber refugiados. Entretanto, em Calais, há alguns milhares que pretendem transpor a Mancha, sem que lhes seja dada autorização. E quanto a Portugal: será que a boa vontade declarada pelo Governo e por várias instituições e, ao que parece, até por particulares, para acolher refugiados, será correspondida por migrantes que quererão fixar-se cá? Muitas questões sem resposta, pelo menos por enquanto.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O assunto

O assunto é o assunto do momento. E muito se tem falado sobre o assunto. Há, sobre o assunto, um discurso dominante politicamente correcto e que não admite desvios. Baseia-se nos valores da Europa e na solidariedade. E tem como corolários que a solidariedade não se discute, tal como no tempo de Salazar "a Pátria não se discutia", que com boa vontade, solidariedade e espírito de justiça tudo se pode resolver e que a responsabilidade de resolver o assunto é nossa, da Europa e de cada europeu em particular.

Ora há indícios suficientes para pensar que o assunto é mais complicado do que parece resultar do discurso habitual (ia dizer "do discurso oficial", mas parece-me uma classificação pouco exacta). Vejamos alguns exemplos do que diz Helena Matos sobre o assunto:

1) Ao contrário do que se possa pensar, os mais dependentes dos apoios muito frequentemente não são aqueles que os recebem mas sim aqueles que os distribuem e que não podem deixar de os distribuir porque isso seria o fim da sua razão de existir.

Os que prestam apoios aos carenciados prestam sem dúvida um bom serviço à sociedade em geral e aos carenciados em particular. E se esses carenciados são refugiados fugidos de um país em guerra, esses apoios são úteis e bem-vindos. Mas há algo que faz pensar quando os que prestam apoios pedem apoio para prestar apoios.

2) não tardará que, se o fluxo de refugiados se mantiver nos actuais níveis, passemos todos a imitar a Hungria.

No caso particular de Portugal, começou-se a falar de acolhermos 1500 refugiados (ou candidatos ao estatuto de refugiado?). Há poucos dias já se falava em cerca de 3000 e hoje aparece de surpresa o número de 4755. Tendo em atenção que continuam a chegar milhares às praias das ilhas gregas e centenas ao sul da Itália, temo que dentro em pouco aquele último número, apesar de tão preciso, não seja o último. Como a Síria tem 22 milhões de habitantes, mesmo que apenas uma pequena percentagem destes se decida a fugir à guerra e a procurar "uma vida melhor" na Europa, é de esperar que a corrente migratória continue ainda durante muito tempo e atinja dimensão tal que se tornará na prática receber todos os que o desejam, muito menos receber bem. Mas quando Viktor Orban o afirma, todas as boas almas se revoltam.

3) Por fim e para o fim, uma questão que se me coloca de cada vez que leio aqueles títulos sobre a vergonha que estes refugiados representam para a Europa. Lamento ir contra a corrente mas não vejo ali vergonha alguma para a Europa. Estas pessoas fogem para Europa. Revelam aliás uma noção muito clara dos sítios onde querem viver nessa Europa. Vergonha será sim para os dirigentes dos seus países. E também para os países muçulmanos. Por exemplo, quantos refugiados recebeu o riquíssimo Qatar? E o também fabulosamente rico Dubai? E a piedosa, islamicamente falando, claro, Arábia Saudita? Note-se que nem me interrogo se seria possível, equacionável ou sequer imaginável que esses países nos acudissem a nós, europeus, se um qualquer desastre nos obrigasse a fugir intempestivamente. Mas ao menos para estas pessoas que são muçulmanas, onde está o apoio dos países islâmicos?

Estas ideias vão contra o discurso dominante, mas devíamos pensar mais nelas.

sábado, 5 de setembro de 2015

Grau zero de dignidade

Já se sabe que as campanhas eleitorais são, infelizmente, ocasiões para achincalhamento, golpes baixos, acusações, maledicência. Nem tudo decorre com a dignidade desejável e quase nunca se discutem ideias e projectos para o País, havendo antes lugar para ataques pessoais. Mas pode haver pior, a JS optou pelo tiro ao alvo, convidando os seus militantes, simpatizantes ou simples passantes a derrubar os mais destacados membros da coligação PSD/CDS, ou 'pelo menos as suas imagens, atirando bolas. Claro que às juventudes partidárias, como às juventudes em geral, se desculpam certas irreverências, mas o tiro ao alvo contra figuras políticas ultrapassa, na minha opinião, a irreverência aceitável.


(imagem tirada do Facebook de Cristóvão Norte, via Observador)

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

1200 euros

O drama dos migrantes que estão literalmente a invadir a Europa desperta muitas reflexões, principalmente de piedade, de solidariedade e outras. Mas para mim, hoje ouvi uma curta declaração de Teresa Tito de Morais que me fez pensar num aspecto que ainda não ouvi abordar. Disse ela que o custo de manter cada refugiado ronda os 1200 € por mês. Ora é preciso ter em conta que há muitos pensionistas a sobreviverem com pouco mais de 200 euros mensais, muitos trabalhadores que só recebem o salário mínimo de pouco mais de 500 €, já para não falar dos portugueses que vivem com muito menos, apenas com o Rendimento de Inserção Social. Se é certo que 1200 € não é muito, não será ilógico destinar o esforço de solidariedade a alguns que afinal serão assim privilegiados, quando há quem sobreviva com muito menos? Bem sei que os países que vão acolher os refugiados terão subsídios da União Europeia, ao que parece, no caso de Portugal, num total de 39 milhões de euros, mas essa origem não corrige a flagrante desigualdade de tratamento. Se, por virem fugidos de países onde a guerra ou outras circunstâncias não lhes permite viver, merecem ajuda, será equilibrado que essa ajuda seja superior, nalguns casos em várias vezes, ao que recebe quem tem uma pensão por ter trabalhado toda a vida ou quem ainda trabalha?

Qual é a função de Jorge Jesus no Sporting

Desde o primeiro dia de Jorge Jesus no Sporting que as TVs passam outra e outra vez, pelo menos até ontem, imagens do treinador a carregar, com ajuda, é certo, uma baliza através do campo de futebol com algum esforço visível. Eu confesso que os meus conhecimentos de futebol são muito limitados, para não dizer nulos, mas parece-me que esta insistência em mostrar estas imagens repetidamente deve ter algum significado. Mas não consigo descortinar qual seja esse significado.

Ainda o PEC IV

Parece impossível, mas ainda hoje há quem afirme sem lhe tremer a voz que, se a oposição não tivesse causado a queda do governo de Sócrates, não teria sido necessário o resgate. E esse alguém é nem mais nem menos que João Soares. É pena o jornalista que estava a entrevistá-lo não ter logo perguntado como teria sido possível, sem resgate, escapar à banca-rota, mesmo com o PEC IV aprovado.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Estímulos económicos: baixar TSU ou IRC?

O porta-voz do PS de serviço em período de férias, Rocha Andrade, veio defender a medida preconizada no programa eleitoral do partido de baixar a taxa social única paga pelos trabalhadores em 4 pp para, deste modo, as famílias ficarem com mais dinheiro para gastar, estimulando assim a economia, levando as empresas a aumentar a produção e a necessitar de mais trabalhadores, com o fim último de baixar o desemprego. Considera que as criticas a esta medida por parte da coligação PSD/CDS-PP não têm razão de ser, até porque a própria coligação defende que a baixa do IRC, que é um estímulo económico semelhante, também tem por consequência baixar o desemprego.

Esta comparação parece-me disparatada. Parece-me que o rendimento disponível das famílias resultante da baixa da TSU pode ou não ser dirigido ao consumo e, se o for, terá provavelmente maior incidência nas importações do que no estímulo à produção nacional. Há que ter ainda em conta que muitas empresas têm, em virtude da crise, capacidade de produção excedentária, pelo que poderão satisfazer a eventual procura adicional sem admitir novos trabalhadores. O efeito sobre a baixa do desemprego é portanto falível. Já a redução do IRC é um estímulo directo ao investimento e é conhecido internacionalmente o seu efeito sobre o emprego. Comparar as duas coisas não tem qualquer justificação.

sábado, 22 de agosto de 2015

Publicidade grátis

É bem conhecido o slogan "O que é Nacional é bom". Mas os meios de comunicação têm uma forte fatia de publicidade de produtos estrangeiros, que por vezes também são bons. Aliás actualmente o proteccionismo está mal visto e a discriminação não é tolerável. Nada há, pois, contra a publicidade a produtos estrangeiros. Mas o que não está bem visto nem é tolerável é a publicidade disfarçada de notícia. E quando essa publicidade é descarada e não vem nada a propósito não é aceitável. Hoje, na TVI, durante a apresentação do Noticiário por Judite Sousa, depois de se falar no Verão e na frequência das praias, passou uma reportagem sobre a praia de Ayamonte. Não foi um apontamento curto, mas um longo elogio das condições da praia espanhola com entrevistas a vários frequentadores, quase todos espanhóis mas também alguns portugueses. Todos disseram muito bem da praia. A que propósito? Publicidade encapotada? Lembrei-me lodo de que a TVI depende da Prisa, que é espanhola, mas pode ser mero acaso. Não gosto de acusar ninguém nem nenhuma instituição sem provas, mas lá que parecia publicidade, parecia. Apenas as imagens talvez não fossem as mais bem escolhidas para fazer propaganda: areia escura e paisagens que não podiam concorrer com as nossas praias mesmo ali ao pé.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Medidas, promessas e compromissos

Ouvimos ontem o economista-mor do PS, Centeno, (que, segundo parece, nem sequer é do PS, isto é, não é militante) apresentar as contas que suportam as medidas, ou talvez antes recomendações, que o PS apresentou no seu programa eleitoral. De caminho, apresentou também uma revisão, a 3.ª, das metas que o PS prevê alcançar por meio dessas medidas. Foi bastante claro ao afirmar que essas metas, entre as quais os famosos 207 000 empregos a criar em 4 anos, são previsões. Mas logo a seguir apareceu António Costa a dizer que o que o PS apresentava não eram promessas, mas sim compromissos (Não estou a ver bem a grande diferença em termos políticos entre promessas e compromissos). Neste alinhamento, propositadamente ou não, parecia evidente que a criação de 207 000 postos de trabalho era um compromisso. Outros órgãos de informação também apresentaram esta criação de postos de trabalho como uma promessa. Hoje, António Costa desfez o equívoco e explicou muito explicitamente que o PS se comprometia com pôr em prática as medidas preconizadas. O resultado dessas medidas eram previsões e não compromissos. Portanto, se daqui a 4 anos não forem criados os 207 000 empregos só podemos culpar o PS de ter falhado as previsões e não de ter feito falsas promessas. A impressão com que ficara na véspera era apenas uma manipulação jornalística ou uma má compreensão da minha parte, mas que estou convencido que foi partilhada por muitos mais telespectadores. Isto é válido não só para os 207 000 postos, mas também para todas as outras previsões tão largamente propagandeadas.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Uma mentira muito repetida torna-se verdade

Acho que foi Göring que disse que "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade". Na mesma onda, Salazar disse um dia que "Em política, o que parece, é". Longe de mim acusar os dirigentes do PS de simpatia nazi ou salazarenta, mas o que é certo é que, ao repetirem constantemente que o actual Governo quer cortar 600 milhões de euros nas pensões ou que a coligação PSD-CDS/PP pretende fazer este corte, como ainda hoje ouvi ao próprio Secretário-Geral António Costa, está objectivamente a usar a estratégia de Göring a de Salazar. Desde que a Ministra Maria Luís Albuquerque referiu a necessidade de encontrar modo de reforçar a verba da Segurança Social no montante de 600 milhões, que tem sido repetida a mentira de que esta necessidade será necessariamente satisfeita com cortes nas pensões, apesar dos desmentidos e das explicações exaustivas de que se trata de encontrar modo de ultrapassar essa dificuldade e não de cortar pensões. É evidente que qualquer consenso sobre a reforma da Segurança Social vai ser impossível.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A maldição dos cartazes

Se é certo que o PS tem dado vários tiros nos pés (assim mesmo, "pés" no plural) e talvez mesmo nas mãos, ao espalhar pelo País enormes cartazes que suscitaram galhofa, dúvidas, raiva e desconfiança, quando as palavras chave da sua campanha são "rigor", com o "O" de cor diferente para se ver bem, e "confiança", não é menos certo que é pena que as duras críticas que se têm feito ouvir tanto nas redes sociais como nos comentadores políticos de jornais e TVs, ao incidir principalmente sobre os incidentes dos cartazes, têm esquecido o mais importante, o programa eleitoral e as medidas preconizadas e as suas possíveis consequências sobre a estabilidade financeira e política do País. Espero que agora, esgotada a guerra dos cartazes, a discussão passe a ter em conta os aspectos económicos e políticos dos programas e das promessas dos partidos que concorrem às próximas legislativas.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Passos Coelho socialista?

Uma palavra pode mudar completamente o sentido de uma frase. Na SIC e na SIC-Notícias, Ana Lourenço informou que "Passos Coelho diz que foi o Governo nestes 4 anos que defendeu o Estado Social socialista". Para conformar a informação, esta frase foi mostrada por escrito no roda-pé por várias vezes. Afinal, ouvindo com atenção a parte do discurso de Passos Coelho na apresentação do programa eleitoral da coligação Portugal à Frente, é possível distinguir perfeitamente que o que o Presidente do PSD disse foi que "foi o Governo, nestes 4 anos, que defendeu o Estado Social do socialismo". Seria um absurdo Passos Coelho gabar-se de defender um estado socialista, fosse social ou não. É exactamente o contrário; o que este Governo afirma defender é o Estado Social, e defendê-lo de quê? Do socialismo. A omissão da palavra "do" e a transformação de "socialismo" em "socialista" leva a pensar que Passos Coelho defende o socialismo, é afinal socialista, quando o sentido da frase realmente dita significa que foi o socialismo que pôs em perigo o Estado Social que os sociais-democratas e os centristas defendem.

sábado, 25 de julho de 2015

Caça aos votos

 Ora aqui está o que eu pensei logo que ouvi há dias a argumentação canhota de Isabel Moreira sobre as intenções dos partidos da maioria ao aprovarem as alterações à lei do aborto. O Corta Fitas definiu bem a contradição:

«Eu sei que o assunto é sério mas eu escangalho-me a rir sempre que a oiço. Ainda hoje Isabel Moreira, pelo PS, espumava na AR o argumento. Trata-se esta decisão da coligação de uma medida eleitoralista, apenas para "caçar votos!"
Ora bem. Se é uma medida eleitoralista porque ganha votos é porque se trata de uma medida que democraticamente a população aplaude e pretende; e por isso dará votos e merecerá a qualificação de eleitoralista.
E se se trata de uma medida que a população portuguesa democraticamente aplaude e pretende, como o reconhece Isabel Moreira e os restantes partidos de esquerda com esta acusação de eleitoralismo, que motivo e legitimidade terá essa esquerda para, qual Estaline, impor a todos as suas ideias quando são contrárias às dessa maioria democrática da população?»

É que para certa esquerda, qual Estaline, há que impor as ideias de esquerda, democraticamente ou não, porque eles é que sabem o que está certo. Como já ouvi dizer a alguém que defende estas ideias: "É preciso obrigar as pessoas a serem felizes, mesmo que não queiram."

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Critérios jornalísticos

"Rainha de Inglaterra filmada a fazer saudação nazi", noticiou a TVI 24 no dia 19. A notícia merece duas críticas severas: 1) Quem foi filmada a fazer a saudação nazi não foi a rainha de Inglaterra: Isabel ainda era uma criança, não era rainha e nem sequer era filha do rei da altura. A notícia seca assim dá a entender que a Rainha Isabel II foi recentemente filmada na circunstância citada e não há 82 anos. Portanto, tal como está redigida é enganadora. 2) O acontecimento em si, ocorrido há tanto tempo e pouco depois de Hitler ter sido nomeado chanceler pelo Presidente Hindenburg no seguimento de eleições democráticas, não parece merecer a importância que critérios jornalísticos sensacionalistas lhe deram.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Hollande propõe federalismo colonial

Não ouvi a proposta do presidente Hollande pela boca dele, só referências que creio incompletas e vagas, mas do que ouvi parece que terá proposto que a zona euro passasse a ser dirigida por um "governo" que inclua exclusivamente os seis países fundadores da CEE (França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Itália) em parceria com um parlamento constituído por deputados oriundos do Parlamento Europeu, mas também exclusivamente daqueles seis países fundadores. A ser verdade é a oficialização dum directório formado por países seleccionados que terão direitos superiores aos do restantes estados. Será uma proposta para levar a sério? Que eu saiba não existe precedente; nem nos Estados Unidos há um governo que inclua apenas alguns dos estados, nem sequer em organismos que não são federações, como a OTAN ou a ONU (neste caso apenas no Conselho de Segurança existe algo semelhante com os membros permanentes, mas não foi uma discriminação criada depois do Conselho formado, foi formada esta diferenciação logo de início para dar primazia aos países vencedores da 2.ª Guerra Mundial). Não me parece que a ideia de Hollande tenha qualquer vantagem, pelo contrário, e creio que felizmente não terá qualquer possibilidade de concretização.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

A questão grega em poucas palavras

Em poucas palavras, mas está tudo dito. Visto no 31 da Armada e nada a acrescentar:

«os bons, os maus e a maria
por Alexandre Borges, em 15.07.15
Toda a vida, só conheci três gregos: o deprimido que se limitava a responder ”Philip Morris. Isso é da Philip Morris” ao entusiasmo com que lhe dizia que comprar cigarros Karelia de duvidosa sexualidade era o meu contributo para a recuperação da economia grega, e duas gregas simpaticíssimas, uma das quais, pura e simplesmente, uma das mulheres mais belas que alguma vez conheci (A propósito, Maria, se estiveres a ler isto… Ah, deixa lá). O saldo é, portanto, francamente, positivo. Mas, nesta interminável discussão sobre a Grécia, reduziu-se tudo a um simplismo maniqueísta de fazer corar de embaraço.
Os Gregos são os bons; os Alemães, os maus. Os Gregos são bons porque são coitadinhos; os Alemães são maus porque só emprestam mais dinheiro aos Gregos se estes prometerem portar-se bem. Os Gregos são os bons porque nos deram a democracia; os Alemães são maus porque são nazis.
Bom, é capaz de valer a pena lembrar que os mauzões dos Alemães – e dos Holandeses, e dos Belgas, e dos Luxemburgueses, enfim, do resto da Europa – estão, pela terceira vez, a emprestar enormes quantidades de dinheiro à Grécia, a juros que a Grécia nunca encontraria, por si só, no mercado. E que esses mauzões e amigos já permitiram uma reestruturação da dívida grega. E que aceitaram os dois pedidos de adiamento de uma prestação pedidos pelos geniais Tsipras e Varoufakis.. E que, quando Tsipras e Varoufakis simplesmente não pagaram, os mauzões – estranho comportamento para vilões tão infames – rosnaram, mas continuaram disponíveis para novo empréstimo. E que, afinal, os implacáveis alemães, andam há cinco anos nisto.
Ah, dirão: os Alemães (vamos continuar a fingir que são só os Alemães) não andam nisto há cinco anos porque queiram salvar os Gregos; os Alemães andam nisto há cinco anos porque querem salvar os bancos alemães. Claro. Mas os bancos alemães têm uma peculiaridade – peculiaridade, aliás, partilhada por todos os bancos que conheço: não têm dinheiro; têm o dinheiro dos clientes. Quando cai um banco – sim, PCP, desculpe dar esta notícia assim, a frio – não é o banqueiro que se trama; é o povo que lá tenha as poupanças. Tome-se aqui o bom e velho BES como exemplo: é a família Espírito Santo que vêem a liderar as manifestações dos lesados do dito? Sim, amigos solidários. Estou certo de que se fosse o meu dinheiro na Caixa que estivesse em xeque na questão grega, era rapaz para andar um bocado mais agastado. Serei nazi?
Para a discussão, gostamos de trazer a Grécia que temos na cabeça. E a Grécia que temos na cabeça – vá lá explicar-se este fenómeno psiquiátrico – é uma Grécia que inventou a democracia e a filosofia há 2400 anos e que, por qualquer razão, os Alemães decidiram agora linchar. Mas – notícia de última hora – a Grécia de há 2400 anos, por mais gratidão que nos mereça, nada tem a ver com isto. A Grécia que se deixou cair nesta trágica situação não é a cidade-estado de Atenas com que, romanticamente, a insistimos em confundir. É o país que só existe como hoje o conhecemos desde o século XIX e que sempre teve dificuldades financeiras. E é, sobretudo, a Grécia que, nos últimos 20 anos, maquilhou os números para ocultar a sua dívida real, que atingiu défices anuais de 15%, que continuou a engordar o número de funcionários públicos até mais de 800 mil (incluindo casos célebres como o dos 45 jardineiros para tratar de quatro canteiros num hospital). É a Grécia onde, apesar de haver uma economia ainda mais pobre do que, por exemplo, a portuguesa, se praticava (e pratica) um ordenado mínimo superior ao ordenado médio português, se trabalha menos anos e, frequentemente, se fecha a porta quinta-feira ao fim da tarde e se volta segunda. É a Grécia que, na sua extensa lista de profissões de desgaste rápido a quem era permitida a reforma aos 40 e tal anos, se encontrava, por exemplo, o perigoso métier de cabeleireiro. É a Grécia que, apesar de todas as vilanias pedidas pelos mauzões do centro da Europa, ainda não aceitou mexer nos seus off-shores, em fazer os armadores pagarem impostos, em retirar os privilégios à igreja ortodoxa ou reduzir aquele que é, percentualmente, um dos maiores orçamentos militares da Europa.
E, no entanto, choca-nos que possa haver quem não esteja disposto a continuar a dar a esta Grécia, de mão beijada, milhares de milhões de euros. Choca-nos a vilania desse sinistro FMI que insiste em fazer exigências, quando, afinal, não é mais do que uma organização de países, a maioria dos quais – continuam as notícias bombásticas – com condições de vida bem piores do que a Grécia. Repugna-nos que governos democraticamente eleitos pelos seus povos tenham de prestar contas a esses mesmos povos pelo que decidem fazer com o dinheiro deles, porque, aparentemente, o argumento da democracia só é válido quando se fala da – digam em coro – Grécia.
Os gregos comuns não terão culpa da Grécia. Mas não podem, certamente, culpar os maus dos alemães pela enorme e persistente ingenuidade, senão negligência, com que escolheram os seus responsáveis políticos e os deixaram agir, ao longo de décadas, enquanto seguiam, lenta e inapelavelmente, para o abismo.
Recentemente, cansados das velhas soluções, os Gregos entregaram o governo a um pequeno partido que, pouco antes, não recolhia mais de 300 mil votos, e que dizia que faria tudo diferente do que os outros faziam. Por cá, mas não só, a esquerda facilmente impressionável (levem-me ou não a mal, amigos de esquerda, a diferença entre esquerda e direita é, frequentemente, apenas uma questão de ingenuidade versus realismo) tratou da canonização instantânea. Não era só Tsipras, cuja rebeldia consistia, ao que percebi, em dispensar a gravata; era, sobretudo, Varoufakis, o homem que as mulheres queriam ter e que os homens queriam ser; o governante que se deixava fotografar a caminho de reuniões de mota e blusão de cabedal; o génio rico, filho de ricos, casado com uma mulher rica, filha de ricos, que, ao que se diz, terá inspirado Jarvis Cocker a escrever essa bela canção sobre uma grega em Londres, estudante de escultura, que queria brincar às “pessoas comuns”.
Pouca importava se lembrássemos que Varoufakis já trabalhara no governo do PASOK e que, portanto, era difícil compreender que o seu tão propalado génio não tivesse funcionado então. O fascínio deu para meses. Deu para fazer uma super-star política como não se via, talvez, desde a primeira corrida presidencial de Obama.
Eis o resumo da genialidade: eleito para bater o pé à austeridade da Europa, o Syriza passou cinco meses a pedir adiamentos. O tempo foi passando, entre as lições de moral de Varoufakis aos ministros das finanças a quem tinha de pedir dinheiro e os “programas económicos” rabiscados pelo negociador em folhas do bloco de notas do hotel. No fim, o Syriza não só não pagou, como passou a batata quente para as mãos do povo. Que coragem, disse-se por aí. Um governo eleito pelo povo para o representar e decidir, na hora da decisão, lavou as mãos e disse ao povo que fizesse o que entendesse.
Tsipras e Varoufakis nunca tiveram a menor ideia de como tirar a Grécia da situação em que está. Talvez tenham achado que encher o peito e aparecer ao lado de Putin bastaria para meter medo a um velho continente tão cheio de medos, traumas e ligações perigosas. Mas a chantagem emocional não funcionou. Então, sonharam ardentemente com um “sim” no referendo. Sim, com um “sim” – “nai”. Durante uma semana, apavoraram o próprio país impondo um limite diário de 60 euros por cabeça aos levantamentos de dinheiro. Com um requinte: só mil dependências bancárias poderiam estar abertas em todo o país. Porquê? Se cada cidadão só podia levantar 60 euros, que diferença fazia estarem todos os bancos abertos? Uma diferença enorme: as filas dramáticas de gregos, de todas as idades, espremendo-se contra a porta de um dos poucos bancos abertos num raio de quilómetros. As imagens correram mundo e, naturalmente, chocaram. Os maus dos Alemães. Os maus dos Europeus. E, entretanto, as sondagens iam dando o “sim” a subir porque os Gregos começavam a ter um terrível vislumbre do que seria um futuro sem dinheiro. Se votassem “sim”, Tsipras e Varoufakis lavariam daí mais uma vez as mãos. Era o povo que tinha escolhido a austeridade, forçado pela vilania alemã. Apresentariam a demissão, saindo como tinham entrado: como heróis, sem que tivessem tido de provar o que quer que seja a quem quer que fosse.
E, no entanto, os Gregos disseram “não”. Oxi. Não à austeridade. Não à Europa. Morremos, mas morremos de pé. Vamos lá! E que fizeram Tsipras e Varoufakis? Varoufakis, que prometera demitir-se se ganhasse o “sim”, demitiu-se ganhando o “não”. Diz que foi para facilitar as negociações porque tinha ouvido dizer que lá na Europa não gostavam dele – mas, na verdade, já tinha sido substituído há muitas semanas por um “negociador” que, agora, o substitui como ministro de facto. E Tsipras? Foi negociar mais austeridade, para depois voltar a casa e gritar que foi “chantageado”.
Nunca souberam o que fazer. Nunca houve alternativa. E é melhor que deixemos rapidamente de tratar a questão como um debate moral. Alguém pode não pagar o que deve? Pode. Mas não espere que lhe voltem a emprestar dinheiro. Isto não é moral; é lógica simples. E, a propósito: haverá, com certeza, muitos especuladores a enriquecer com a compra de dívidas soberanas, mas sabem quem é que também investe muito em dívidas soberanas? Outros estados soberanos, com os fundos com que tentam financiar os seus sistemas de Segurança Social.
Quanto à solidariedade, choca-nos que o Presidente da República Portuguesa dissesse que, saindo a Grécia, ficavam 18 países, em resposta a uma jornalista que lhe perguntava se a Zona Euro acabaria com uma saída da Grécia. Choca-nos que o primeiro-ministro português se demarcasse da Grécia. Mas não nos choca que a Grécia não tivesse tido o menor pudor em dizer, consecutivamente, que, saindo eles, Portugal seria o próximo. Não nos choca que o governo grego arrastasse com ele os juros da dívida portuguesa em nome de nova chantagem emocional. Mas choca-nos que o governo português faça o que tem de fazer: preocupar-se, em primeiro lugar, com a débil situação portuguesa. Choca-nos o alemão feio de cadeira de rodas, que é ministro das finanças e tem cara de mau, mas admiramos o ministro das finanças gregos, que é garboso e bem falante. E não nos chocam os seus colegas de governo que chamam nazis por tudo e nada aos alemães, que ameaçam invadir a Alemanha com jihadistas (?), enquanto vão fazendo os seus negócios com Putin.
Podemos estar todos à beira de uma história muito complicada, e as histórias muito complicadas nunca foram contadas dizendo que, de um lado, estavam os bons e, do outro, os maus.
E, já agora, a quem possa ser mais sensível ao argumento arqueológico, vale a pena pensar que o nosso sistema político – aliás, toda a contemporaneidade – deve muito mais à Revolução Francesa, arquitectada sobre os princípios definidos por alemães como Kant, do que à longínqua democracia de Atenas, onde mulheres, escravos e estrangeiros não podiam tomar parte. E que não é lá muito humanista insistir em reduzir a Hitler uma cultura que nos deu Beethoven, Bach, Goethe, Schumann, Nietzsche, Hegel, Leibniz, Husserl, Shopenhauer, Schiller, Thomas Mann, Brecht, Murnau, Lang, Einstein e até, vejam lá, Karl Marx.
(Mas concedo que também foi de lá que vieram os Scorpions. E, afinal, a Maria era muito mais bonita do que qualquer alemã que tenha conhecido em dias de minha vida).