sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Praxes

Não, não me vou referir ao caso do Meco. Espero que esteja bem entregue às autoridades de investigação e que as famílias das vítimas consigam recuperar pelo menos a paz de espírito. Mas vou dar a minha opinião sobre o fenómeno das praxes universitárias, que este caso trouxe nos últimos dias para a ribalta.

Quando eu era estudante, não existiam praxes em Lisboa e suponho que também não no Porto, as então únicas cidades com Universidade além de Coimbra. Aí sim, tínhamos conhecimento que havia umas práticas mais ou menos patuscas que se chamavam praxes. Em Lisboa considerávamos estas práticas com um certo sentimento de superioridade; nós éramos mais civilizados, mais modernos, e não ligávamos a essas coisas tradicionais mas que não pertenciam à nossa tradição. Não havia nas Faculdades e Institutos Universitários de Lisboa um único estudante que usasse capa e batina. Não havia hierarquia, não havia qualquer tipo de pressão sobre os caloiros e os que em Coimbra se designavam como veteranos eram para nós os cábulas que estavam no curso mais tempo do que o devido por serem burros ou estudarem pouco. No início de cada ano lectivo as Associações de Estudantes organizavam semanas de recepção aos caloiros, que tinham como principal finalidade ajudá-los a integrarem-se na vida académica e a sentirem-se bem. Estas recepções constavam de actividades de convívio, como exposições e bailes. Mas, respeitadores das diferenças, não criticávamos os cossos colegas coimbrões e muito menos os hostilizávamos.

Com o tempo, as coisas começaram a mudar. Já no tempo de os meus filhos entrarem na Universidade havia em Lisboa algumas praxes a que os caloiros eram submetidos, mas não passavam de pequenas humilhações, como pintar-lhes o rosto com desenhos coloridos, ou partidas, como darem aulas falsas. O incidente mais grave que me foi relatado nessa altura foi o uso de um extintor de incêndio lançado para dentro de um anfiteatro. Coisas que alguns suportavam com maior ou menor azedume, e a que outros achavam graça. Mais recentemente as praxes tornaram-se mais violentas e mais humilhantes, com diversos casos que mereceram censura generalizada.

Para mim, estas práticas, que antes considerava estranhas mas suportáveis, são agora condenáveis. Em Lisboa nem sequer se podem considerar tradicionais, visto que é uma falsa tradição, uma importação recente de costumes de outras paragens. Demonstram um desejo de mostrar superioridade, de estabelecer uma hierarquia em que os inferiores são dominados. Bem podem argumentar que a praxe é voluntária e que quem declarar não aderir não será praxado, pois os que se rebelam contra estas práticas são hostilizados e não podem usar trajes académicos nem participar em certas manifestações estudantis. A recepção aos caloiros é substituída por um cerimonial de iniciação, como nas sociedades secretas, mas, em vez de ter como objectivo submeter o candidato a provas de coragem e rectidão, são humilhantes e serevem principalmente para obter obediência e ausência de espírito crítico.

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