domingo, 19 de janeiro de 2014

Memória de José Terra

Conheci José Terra há muitos, muitos anos, em casa dos meus pais, era eu miúdo. Era amigo do meu pai, João Pedro de Andrade, e foi visita frequente da nossa casa antes de se fixar em Paris, menos frequente depois. Numa das suas últimas visitas trouxe e apresentou-nos a sua jovem esposa francesa. Soube agora que tem duas filhas e dois netos. Lembro-me do modo quase entusiasmado como descrevia as dificuldades com a censura quando da publicação do seu primeiro livro de poesia “Canto da Ave Prisioneira”. Chegou a ser interrogado pela PIDE e descrevia com pormenores a curiosidade dos agentes que o interrogavam sobre o significado de alguns poemas que lhes pareciam mais suspeitos. Depois perdi-lhe o rasto, para só agora vir a saber notícias dele, com a notícia da sua morte. Os jornais apresentam notas biográficas e algumas fotografias recentes. A que prefiro é a que publico agora, que mostra José Terra já velho, mas com o sorriso que me faz recordar a imagem já desvanecida que tenho dele na minha memória.



Também encontrei na net vários poemas seus. Eis um dos que mais gosto que reproduzo de:

http://timtimnotibet.blogspot.pt/2014/01/jose-terra-1929-2014.html


Para O Poema da Criação

Porque tu percorres o meu sangue
e paras de repente no meu cérebro.
Teus olhos procuram a flor da pele
buscando a existência fugidia
das árvores, dos rios, da paisagem.
E se te reconheço é porque apenas
és um sinal qualquer de outro país
donde fui expulso para sempre.
E se te reconheço é porque foges
pelas longas margens longamente
e teu sorriso concreto só existe
para a boca oleosa do veneno.
E se te reconheço é porque quero
entre meus dedos destruir teus olhos.
Para que tu existas e eu exista
nenhum sinal de nós deve existir.


Sem comentários: