sexta-feira, 4 de maio de 2012

O tema da moda

Desde que frequento a blogosfera, nunca vi correr tanta tinta, incluindo tinta digital, nem me lembro de tanto tempo de antena dedicado a um tema como nestes últimos dias a propósito da promoção do Pingo Doce. É o tema da moda. Se o Soares dos Santos queria que se falasse do Pingo Doce, teve pleno êxito. Mas o que mais me diverte é ver as opiniões tão desencontradas e até frequentemente extremadas, incluindo por vezes no mesmo blog. Para uns foi um acto legítimo de marketing, para outros uma humilhação; para uns foi uma provocação aos trabalhadores, para outros um bodo aos pobres, que também são trabalhadores; e assim por diante. Dava para publicar um livro com muitos capítulos.

Mas como fica mal falar das opiniões dos outros sem dar a minha, cá vai:
Como acção promocional, penso que foi positiva, pelos factos referidos acima.

Sob o aspecto legal, se houve ou não dumping, não tenho uma opinião firme, pois desconheço a lei, mas há dois aspectos a considerar: 1) Normalmente, segundo penso, o dumping consiste numa acção continuada ao longo do tempo para prejudicar ou mesmo eliminar a concorrência. A promoção do Pingo Doce não foi assim. Mas talvez a lei não faça esta distinção. Deixemos às autoridades competentes a investigação e as consequências daí decorrentes. 2) A concorrência também faz promoções, embora diferentes desta, de que resultam preços com descontos semelhantes ou maiores (Veja-se a promoção feita hoje pelo Continente que oferece descontos de 75%. Embora seja num número muito limitado de produtos, penso que seja abrangida pela mesma lei. Também noutros tipos de comércio as promoções com descontos por vezes importantes são frequentes.).

Quanto à humilhação que sofreram os pobres consumidores, para quem vive num país que necessitou de ir de mão estendida pedir dinheiro emprestado sujeitando-se às duras condições de quem nos fez o favor de nos resgatar, qualquer outra humilhação é secundária. Para mais, só foi ao Pingo Doce quem quis. Mais humilhantes são alguns concursos da televisão em que os concorrentes se sujeitam a coisas degradantes pela possibilidade de ganharem alguns euros. Não estamos habituados a ver bichas, correrias e encontrões na abertura de saldos? Não há quem durma ao relento ou arme tendas para ser dos primeiros a adquirir certos produtos? Será isso humilhante? Os participantes nesta acção do Pingo Doce que foram interrogados pelas equipas de reportagem não pareciam humilhados, quer os que tinham perdido (ou talvez investido) horas para obterem o desconto nas suas compras, quer os que desistiram perante a multidão ou a confusão.

No que se refere à alegada provocação aos trabalhadores e aos organizadores das comemorações do 1.º de Maio e aos manifestantes, não vejo qualquer razão nestas alegações. É sabido que, por muitos milhares de manifestantes que costumem participar nas marchas do 1.º de Maio, há sempre muitíssimos mais  cidadãos, sejam trabalhadores ou não, que não participam. Mesmo quem quer manifestar-se, pôde muito bem ir ao Pingo Doce de manhã e entrar na sua manifestação preferida da parte da tarde, e poderia mesmo voltar ao fim da tarde ao Pingo Doce e fazer compras até de noite. Nenhuma incompatibilidade. E também do ponto de vista ideológico não vejo por que razão um trabalhador mesmo sindicalizado e ferrenho partidário dos partidos e movimentos que defendem a luta de classes não possa aproveitar preços reduzidos em promoções, até porque assim reduzem os lucros dos capitalistas. Afinal não vão às compras nos outros feriados, em que se comemora sempre qualquer coisa, mesmo os católicos não vão às compras aos domingos e nos feriados religiosos desde que as superfícies comerciais estejam abertas?

Muito mais haveria a dizer, mas não quero juntar mais ruído ao muito que já foi emitido sobre o assunto.

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